Coraline é uma história extraordinária contada por Neil Gaiman que, há 10 anos, ganhava uma adaptação para os cinemas. Vale a pena falar um pouco sobre esse livro que encanta e assombra nosso imaginário.
Quando peguei Coraline na biblioteca, ainda adolescente, não sabia o quanto esse livro iria me marcar. Não fazia ideia do que estava por vir. Já conhecia o autor, mas superficialmente. Foi com esse livro que conheci, de fato, quem era o gênio Neil Gaiman. Lembro de ter devorado cada página do livro, lido tão vorazmente que o acabei no mesmo dia que comecei. O dia estava nublado e fez com que a atmosfera da vida real se encaixasse com o mundo obscuro daquela menina esperta e curiosa.
Esse tipo de livro, embora classificado como infantil, vai muito além do proposto entretenimento para crianças. Sua áurea misteriosa, com viés de suspense e terror nos leva a um patamar muito maior e inalcançável para os pequenos: o ‘’ler por entre as linhas’’. Coraline é um livro repleto de significados, de mistérios, com a presença certa do espírito onírico, melancólico e sombrio que as obras de Gaiman possuem.
O livro fala sobre uma menina espevitada que, ao se mudar com seus pais para uma nova casa, se vê entediada diante da monotonia e da solidão daquele casarão. Como refúgio, Coraline procura por novidades naquela casa tão grande e entre seus vizinhos esquisitões. Ao encontrar uma portinha escondida no papel de parede, ela se vê diante de uma possível aventura, porém a porta não dá em nada além de tijolos. No entanto, em seu sonho, a porta se abre para um mundo paralelo ao seu, onde seus pais a dão atenção, são divertidos, há boa comida, onde tudo é como ela sempre desejou.
Porém, como tudo na vida, havia um preço a ser pago para tudo aquilo e o que a mãe desse mundo pedia como pagamento era que a menina a deixasse costurar botões em seus olhos. Pois, “os olhos são espelhos da alma”. Aos poucos, a menina percebe que caiu em uma armadilha, seus verdadeiros pais estão em perigo e que precisa travar uma batalha pela sua sobrevivência e destruição desse mundo tão nocivo.
Neil Gaiman construiu uma história que vai muito além do que eu resumi ali em cima. O texto, com uma sutileza genial e doce, nos deixa envolvido, tão presos quanto Coraline no mundo secreto. Nos pegamos relembrando de nós mesmos, quando crianças, ansiando por aventuras, desejando ser quem não éramos, ter o que não tínhamos, mudar o que nos incomodava.
É fácil nos identificarmos com os desejos de Coraline. Todos nós já desejamos morar em um mundo perfeito. Mas, nada é como parece ser. Nem tudo que parece ruim, de fato, é. Assim como nem tudo que aparenta ser perfeito, verdadeiramente o é. Isso inclui as pessoas e suas personalidades, seus anseios, sua consciência. É o que nos faz humanos. Essa dualidade, esse ser perfeito em sua imperfeição, esse misto de bondade e egoísmo, de dar e esperar um retorno.
Gaiman cria personagens dualistas que nos fazem pensar em como o limite entre o real e o imaginário é apenas uma linha tênue. Como o limiar entre o que faz uma pessoa boa ou má é mínimo, quase intangível, prestes a ser quebrado, ultrapassado ao menor gatilho.
Quando soube que Coraline viraria animação fiquei muito feliz e o resultado não poderia ser melhor! Escolheram a dedo o diretor de O Estranho Mundo de Jack, Henry Selick, para desenvolver esse projeto que ficou sensacional. Coraline e o Mundo Secreto estreou em 2009 em um trabalho perfeito de stop-motion (aliás, o primeiro stop-motion filmado diretamente em 3D) que gerou críticas excelentes e indicações aos maiores prêmios como o Oscar de melhor animação.
Coraline é uma criança que aprende que o que desejamos nem sempre é o melhor. Que nossos sonhos podem influenciar nossas personalidades e que não há nada de errado em sermos imperfeitos como somos. Neil Gaiman é um gênio e não canso de enaltecer a mente criativa desse homem. Fica a dica dessa história que consegue, com louvor, nos deslumbrar e assombrar.
Apaixonada por arte, música, literatura e filosofia. Adora a Disney, Harry Potter e Sherlock, além de ser viciada em memes. Ri de tudo, é meio perdida nas ideias, viajante do tempo nas horas vagas, só anda com fones nos ouvidos e ama tudo que é fofinho, inclusive o editor-chefe desse site.