Como a falta de desenvolvimento de personagens em Voltron conseguiu desandar uma série que tinha tudo pra dar certo.
Atenção, esse texto contém spoilers das 8 temporadas de Voltron.
Em meados de 2016, a DreamWorks em parceria com a Netflix lançava o reboot do clássico anime dos anos 80 “Voltron”. Afinal, como uma série animada sobre leões-robôs que viajam pelo espaço e que ainda conta com produtores que trabalharam em Avatar poderia dar errado? Realmente não deu. Com uma animação fluida, personagens cativantes e uma primeira temporada espetacular, Voltron: O Defensor Lendário (Voltron: Legendary Defender) logo se mostrou uma ótima série de aventura, agradando tanto o público infantil quanto adulto.
O sucesso da série surpreendeu até os produtores, que não esperavam tanta interação dos fãs na internet, logo houve uma explosão de fanfics, fanarts e fan accounts dedicadas a Voltron e, claro, aos diversos ships entre personagens da série, sendo o mais popular deles: Klance (que seria o relacionamento entre os personagens Keith e Lance).
A vontade dos fãs de que esse casal gay se tornasse real foi tão grande que Klance se tornou a maior ferramenta de marketing que Voltron poderia ter, atraindo cada vez mais fãs para a série. Claro que não podemos acusar a DreamWorks de queerbaiting* já que os fãs fizeram todo o trabalho, certo? Bom, a situação é mais complicada que isso, mas antes de explicar, quero deixar claro que a minha crítica a Voltron não é pelo fato de Klance não ter se tornado cânon e sim, pela forma que os produtores e roteiristas trataram os personagens.
Mesmo com o grande sucesso de Klance entre os fãs, poucos acreditavam que o casal seria canônico na série, afinal, representatividade LGBT em animações infantis não é algo frequente, até que fomos surpreendidos, quando na San Diego Comic Con 2018, os produtores anunciaram que a nova temporada revelaria que um dos personagens principais, Shiro era gay e tinha um noivo.
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Uma homenagem repleta de referências para os fãs da Disney
A comoção foi geral, a hashtag #shirohasaboyfriend ficou dias nos trending topics do X (Twitter), a alegria em se sentir representado não só por um personagem principal, mas por um líder que era símbolo de força na animação parecia bom demais para ser verdade. E era mesmo, quando a temporada 7 foi lançada a alegria se transformou em decepção, Adam o “noivo” de Shiro, aparece em apenas duas cenas, um flashback de quando Shiro ainda estava na Terra e a cena de sua morte.
O problema não está só em terem matado o Adam, mas sim no fato de que em nenhum momento fica claro que eles eram um casal, a cena dá a entender apenas que Adam é um amigo preocupado e não o noivo de Shiro. Ou seja, não passou de um belo golpe de marketing, claro que a produção negou e alegou que eles não terem tido um final feliz não queria dizer que não era representatividade, mas a verdade é que Voltron foi só mais uma série que usou uma tática conhecida como “kill your gays trope” onde personagens LGBT são introduzidos apenas para morrerem, sem ter muito impacto no enredo geral e cumprirem uma espécie de “cota gay”.
Mas, o problema de Voltron não é só o queerbaiting, nas temporadas finais da série, fica claro que os roteiristas não fazem a menor ideia do que fazer com os personagens, enquanto alguns tiveram diversos arcos diferentes ao longo da série (Pidge, Keith e Shiro por exemplo) outros foram completamente ignorados (Hunk e Lance).
Assistir Voltron deixou claro que toda série precisa de algo como o episódio “A Praia” de Avatar – A Lenda de Aang, onde aparentemente nada importante acontece, mas os personagens têm a chance de dialogar e evoluir, e esse é um dos grandes problemas da metade final de Voltron: é briga atrás de briga, vilão novo atrás de vilão novo, sem tempo pra respirarmos.
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Claro que em um desenho de aventura é necessário ter ação, mas chega um momento que não aguentamos mais ver naves explodindo no espaço e nenhuma interação significativa entre os personagens. No final, os personagens principais tiveram finais que pareceram apressados e não condiziam com as personalidades mostradas no decorrer da série.
Muitos fãs ficaram infelizes que no final o Lance ficou com a Allura. Eu, particularmente, gostaria que ele tivesse ficado com o Keith ou pelo menos que tivesse um arco bem construído, já que claramente a Allura só ficou com ele pra esquecer do ex (detalhe: ela ignorou o Lance a série inteira e em dois episódios ele já era o amor da vida dela) sem contar que a Allura que era um bom exemplo de líder feminina forte, passou a servir apenas de interesse romântico e advinha só? Morreu no final. A traição do Lotor é outra coisa que não fez muito sentido, já que não condizia com a história do personagem.
O Lance que era um garoto aventureiro e começou a série com a ambição de ser o melhor Piloto Garrison, acabou morando numa fazenda em Altea, e sabe-se lá como virou Alteano mesmo sendo 100% humano sem nenhuma descendência de Altea; o Hunk que sempre foi apenas o “alívio cômico que cozinha bem” terminou sendo uma espécie de diplomata cozinheiro (ignorando completamente o fato de que ele era tão inteligente quanto a Pidge).
E o Shiro que tinha perdido o noivo numa guerra e teve incríveis 10 segundos de luto (sério, a Pidge teve mais tempo de cena chorando por um robô do que o Shiro pelo próprio noivo) teve seu final feliz resumido a um frame de uma foto dele se casando com um cara que só sabemos o nome, nota 10 em repre$entatividade para equipe de Voltron!
Enfim, termino esse texto com uma mistura de raiva e tristeza, pois por incrível que pareça, Voltron teve muitos momentos bons, teve boa interação de personagens e quase entrou pro meu ranking de animações favoritas, mas infelizmente a qualidade do roteiro não durou muito tempo e criadores continuam achando que coisas contadas no Twitter tem valor canônico em suas obras e são suficientes para representar toda uma comunidade (essa indireta serve pra JK Rowling também).
As 8 temporadas de Voltron – O Defensor Lendário estão disponíveis na Netflix
- Queerbaiting – é a prática de insinuar, mas na verdade não retratando, uma relação romântica entre personagens do mesmo gênero em uma obra de ficção.
Voltron: trailer
Jovem de 20 anos com estatura de 13 e mente de 60. Muito burra pra ser de exatas e com vergonha de assumir que era de humanas, optou por biológicas e tá vendo no que é que dá. Fã de ficção científica, musicais, animações e entusiasta do cospobre. Se comunica principalmente por meio de memes, vines esquecidos pela humanidade e resultados de testes do buzzfeed. Especialista em fazer teorias inúteis sobre séries e agente secreta da URSAL nas horas vagas.