Vermelho Monet

Vermelho Monet | Direção ambiciosa conflita com roteiro

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Enquanto diretor, Halder Gomes alcança grandes resultados em Vermelho Monet, mas bate de frente com o esforço de seu próprio texto.

O cinema contemporâneo parece ter entregue aos diretores, à revelia do título, a posição de meros peões das vontades do estúdio. A estética dos cortes rápidos e dos enquadramentos os quais desperdiçam a horizontalidade focando em close ups foi abraçada fortemente por Hollywood desde os anos 70, quando a televisão virou um horizonte para os produtores.

O que esperar da era de streaming? Pois o formato de produção disseminado pela Disney, de produções feitas a toque de caixa, piorou a situação, a ponto de a diferença entre um Deadpool 3 feito na casa do Mickey e o longa original de 2016, lançado numa época de certa experimentação da Fox, ser além de gritante, é notável a partir dos trailers de ambos.

Felizmente, o cinema nacional raramente entregou-se a estas convenções. Televisão e cinema (exclusas as comédias claramente produzidas pensando na TV e lançadas nas telonas para maximizar lucros, tais como Até que a Sorte nos Separe) sempre contaram com certa distinção, e basta ver a preferência dos diretores brasileiros por formatos de tela mais intimistas e verticais (sem barras em cima e embaixo) do que o visado 2.35:1 (com as tais barras) das superproduções hollywoodianas.

Vermelho Monet
Vermelho Monet – Poster



Assim, é de se elogiar que Halder Gomes consiga resultados tão bonitos esteticamente com Vermelho Monet. Abraçando o 2.35:1 e, a partir deste, preenchendo lindamente o quadro com atores devidamente posicionados e cenários ricos em objetos variados, direção de arte valorosa e com tomadas longas e cuidadosas, o cineasta cearense parece estar em busca de seu magnum opus com esta produção. Num mundo em que ser cineasta é menos arte e mais profissão, trata-se de um feito fenomenal. Todavia, o longa precisava de reforços de outros artistas: os roteiristas.

A trama, passada em Portugal, gira em torno de três núcleos: o artista plástico frustrado Johannes (Chico Díaz), o qual busca reconhecimento com seu trabalho, além de outro tipo de satisfação, a negociante de arte Antoinette (Maria Fernanda Cândido), a qual é pega em uma transição suspeita e vê-se obrigada a encontrar uma nova cartada e a modelo Florence (Samantha Muller), a qual gradualmente deslumbra-se com o mundo da arte enquanto entra num relacionamento também duvidoso com a segunda personagem. Ao longo dos 140 minutos, a trajetória destes indivíduos cruza-se em menor e maior grau.

A começar, os dilemas enfrentados pelos personagens em Vermelho Monet são extremamente triviais: em pouquíssimo tempo podemos detectar a frustração sexual de Johannes e em que consiste a busca por modelos de determinado padrão. Em menos tempo ainda, o espectador mais desatento pode ver exatamente onde o relacionamento sexual-afetivo de Antoinette e Florence vai culminar (paixão supostamente ardente, frustração e por aí vai). Há muita estética e pouquíssimo dinamismo relacional.

Isso se dá não só pelas situações nas quais estes se envolvem serem as mais repetitivas e simplistas possíveis, mas pela bidimensionalidade assustadora destas figuras. Provando que “mais” não necessariamente significa “melhor”, há uma enorme quantidade de diálogos e de pretensões ao analítico vindas destes. Entretanto, em vez de revelar pessoas com opiniões interessantes e vivências ricas, o resultado é o oposto.

Maria Fernanda Cândido e Samantha Muller em Vermelho Monet


Insistindo em filosofias das mais óbvias (“você é o vermelho, eu sou o cinza”, diz um homem de meia idade para uma garota jovem), das mais conceitualmente confusas (“o harakiri influenciou o inconsciente de Van Gogh”?) e das mais pretensiosas (“só existem duas artes: a arte e a arte oficial”), o roteiro, infelizmente do próprio Gomes, revela a natureza dos personagens não ao fazê-los proferir estes ditos e, sim, ao fazê-los ir no caminho do mais simplório praticismo quando necessário.

Em certo momento, um personagem diz “Meu objetivo é chegar no mesmo patamar dos bilionários”, jogando qualquer tipo de subtexto pela janela e revelando como infelizmente o filme parece não perceber a futilidade dos retratados.

Trata-se de um dilema parecido com o que observei em O Sabor da Vida: muito primor estético com um roteiro deficitário. Infelizmente Vermelho Monet dobra a aposta ao estender uma trama a qual seria pequena até para um curta-metragem para longas duas horas e vinte minutos e deixando as belas imagens serem sobrepostas por narrações em off mastigadas e pelos diálogos supérfluos.

Enquanto um apreciador do valor visual, não vou de forma alguma dar uma avaliação negativa ao longa. Infelizmente, a falta de cuidado com o texto me impediu de apreciar o trabalho de Halder Gomes por completo.

Vermelho Monet – Trailer

Vermelho Monet – Trailer

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