Conduzindo Madeleine

Conduzindo Madeleine | Drama suave conquista pelas sutilezas

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“Contação de histórias” no molde de Forrest Gump tem jornada surpreendente e prazerosa em Conduzindo Madeleine.

Desde que voltei a escrever sobre cinema, tenho batido na tecla sobre as abordagens modernas do cinema comercial. Entre os maneirismos adotados de 2000 pra cá, constam muito close up, edição frenética, pouco interesse pelos ambientes e pela habitabilidade dos mundos retratados.

Se há mais interesse pelo indivíduo em detrimento a um universo de diferentes realidades, isso é reflexo da busca por satisfação do eu consumidor, algo incentivado imensamente pelo entretenimento estadunidense. Não necessariamente isso resulta apenas em coisa ruim: o recente Ferrari, de Michael Mann, é uma evidência da possibilidade de produzir algo decente comercialmente e dentro das perspectivas buscadas pelos autores hollywoodianos.

Tendências, no entanto, são efêmeras, e é muito bom termos opções fora do circuito para encontrarmos diferentes realidades. O lançamento de Conduzindo Madeleine vem para justamente trazer um ar puro neste sentido.



Na trama, o taxista Charles (Dany Boon), endividado e frustrado com sua rotina de trabalho, recebe Madeleine (Line Renaud), uma senhora de 92 anos a qual se encaminha para uma casa de repouso. Inicialmente contrariado, o taxista acaba se permitindo ouvir a história desta, a qual guarda inúmeras surpresas.

Trata-se de um padrão de narrativa simples e com diversos casos de sucesso: um personagem contando histórias de seu passado e surpreendendo as expectativas do espectador. Um dos maiores expoentes deste modelo de drama é Forrest Gump. Conduzindo Madeleine, por sua vez, é mais comedido, porém não menos contundente.

O roteiro de Christian Carion (também diretor) e Cyril Gély, tem paciência para desenvolver os diálogos e situações de aproximação dos protagonistas, brilhando tanto ao trazer uma gama de emoções diversas para as falas da personagem-título as quais permitem que a atriz consiga conquistar o público (e, claro, seu interlocutor) e ao mesmo tempo impedem Charles de ser apenas o estereótipo do bronco mal humorado o qual subitamente mostra-se conquistado. Além disso, há equilíbrio entre a leveza e as passagens mais pesadas da história, impedindo tanto melodrama desnecessário quanto humor deslocado.



Já a direção, apesar de inicialmente trazer estranheza ao adotar o aspecto 2.35:1, extenso, mesmo passando os primeiros quinze minutos inteiramente dentro de um táxi, acaba conquistando por certa engenhosidade: os ângulos discretos para retratar o tumulto na vida do protagonista (este é retratado no mesmo eixo do caos do trânsito e do painel de seu carro) e a solidão calma de Madeleine já são bem-sucedidos por si só. Quando a narrativa adota a não-linearidade para retratar o passado da idosa, aí o diretor aproveita todos os recursos possíveis, preenchendo espaços apropriadamente com seus personagens e ambientes e levando tempo em sua composição, com tomadas minimamente extensas e sem choques de edição.

Claro, este tipo de narrativa inevitavelmente propicia espaço para grandes atuações e aqui não é diferente: a veterana Line Renaud parece estar se deleitando em cena e demonstra o mesmo carisma e ternura seja em seu bom humor quanto nos momentos de seriedade. Já Dany Boon equilibra austeridade e empatia em sua composição, construindo o arco de seu personagem de forma suave e brilhando no clímax da narrativa.

Com ritmo suave e, ao mesmo tempo, engajante em seus breves 96 minutos, Conduzindo Madeleine é uma boa opção especialmente a quem procura por uma calmaria em meio à barulhada do cotidiano. Sua abordagem contemplativa deve incomodar aos fãs dos reels de 30 segundos, mas talvez seja uma chance para os jovens adultos, assim como Charles, investirem em um momento de diálogo tranquilo com a excelente companhia de Madeleine.

Conduzindo Madeleine – Trailer

Conduzindo Madeleine – Trailer

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