Pantokrátor, do escritor Ricardo Labuto Gondim, é um livro que une brilhantemente conspirações tecnológicas, música clássica, mitologias diversas e uma pitada de humor.
O livro nos apresenta uma realidade diferente do que a gente conhece atualmente. O mundo está sendo controlado pelo Regime, um governo autoritário onde a liberdade e o bem comum passaram a ser apenas um detalhe na vida dos cidadãos. A tecnologia, que hoje cresce exponencialmente, lá já se tornou absoluta e, com isso, o Regime determina, vê e controla tudo. Além disso, há a Milícia e os Neo-ortodoxos que lutam suas próprias causas (à sua maneira).
Diante desse cenário, instalado principalmente no Rio de Janeiro, temos contato com o detetive Felipe Parente Pinto. E aqui já começamos a notar as diversas referências que veremos no decorrer de Pantokrátor. Já que o nome completo do detetive é uma tradução literal de Philip Kindred Dick, autor de “Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?” (Blade Runner) e, mais pra frente, Carlos Čapek, acredito que inspirado em Karel Čapek, autor de A Fábrica de Robôs (R.U.R) onde temos pela primeira vez a palavra “robô”.
Felipe é contratado para investigar um suposto adultério e mal sabe no que irá se envolver a partir daí. Acompanhamos junto com ele uma série de conspirações, um emaranhado de mistérios insolúveis, personagens misteriosos, diversos altos e baixos que faz a gente se perguntar constantemente “O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI?!”.
Contudo, indo além do enredo de Pantokrátor, queria salientar o quanto esse livro é imersivo, envolvente, complexo e filosófico. Precisei ler e reler diversas páginas e passagens para conseguir, antes de tudo, entender o que estava lendo e, em seguida, absorver. Há diálogos profundos, carregados de conceitos esperando para serem esmiuçados.
Pois bem, a trama gira em torno do nosso detetive Felipe que, na verdade, é um golem e em um tal tecnopoder autotélico: o controle do indivíduo e da sociedade pelos algoritmos. A busca por esse poder envereda para o caos, para o ilógico e para o domínio da realidade humana. Diante disso, o livro começa com a seguinte pergunta:
“Hoje, que nada sou, volto então a ser homem?” (Sófocles, Édipo)
Logo nosso protagonista sendo um golem, um protótipo tecnológico, um robô dotado de pensamentos, força bruta, conhecimentos diversos, senso de responsabilidade e justiça. Apenas querendo viver sua vida, fazer seu trabalho e, ora veja… envelhecer. Tal qual Parsifal ou Siegfried, de Richard Wagner, ilustrados no texto de Pantokrátor, vemos Felipe Parente como em um mito heroico saindo de sua inércia ao encontro de aventuras e desventuras, lutando contra o mal e alcançando a sabedoria durante o percurso em busca do seu suposto final feliz.
Então, através dessa e tantas outras simbologias há a reflexão acerca do ser humano, do futuro da humanidade, do poder, da influência negativa e do uso desenfreado da tecnologia, da perda do senso de coletividade e da tentativa de alguns de se agarrar ao passado para alcançar qualquer resquício do que outrora fomos. Parece algo bem 2025, hã? (Desculpa, Felipe Parente, aprendi com você!)
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Ao nos levar a Monsalvat, Castelo do Graal, cenário de Parsifal de Wagner, nos apresentar a Simão, o mago negro como Santo Agostinho, a personagens como a Kundry, Lisístrata, Antígona, entre outros, citações e paráfrases de grandes nomes da filosofia, da literatura como Shakespeare, diversas passagens mergulhadas em mitologia grega, nórdica, versículos bíblicos, etc., o autor nos transporta e incita a pensar, pesquisar, pescar referências, ler nas entrelinhas. É quase um grande “DECIFRA-ME OU TE DEVORO!” a cada página e que brilhantismo fazer isso com um senso de humor ácido e crítico. Realmente admirável!
Todo esse futuro distópico (ou nem tanto?) do cenário de Pantokrátor nos mostra como é sedutor e perigoso não tomarmos rédea da nossa própria consciência, como é fácil se deixar levar pelas influências exteriores, por um modelo coletivo que, conscientemente, não admiramos, mas inconscientemente acabamos por repetir, absorver e ser moldado, tal qual um golem pronto para servir ao mestre, ao propósito maior, a um demiurgo moldando um mundo ideal no mundo real. E nesse jogo de irrealidades, vemos um detetive em busca da verdade e da solução de um mistério incrivelmente envolvente.
Em paralelo à frase do início do livro, vemos também uma nova frase e um novo questionamento em seu último capítulo. Agora com Platão, podemos refletir sobre o que caracteriza a humanidade como ela realmente é. E a resposta de Alcibíades não nos alivia, pelo contrário, instiga ainda mais.
“Sócrates: Então, o que é o homem? Alcibíades: Não sei dizer”. (Platão, Alcebíades Primeiro, 129e)
Pantokrátor realmente não é um livro fácil, requer uma certa atenção e dedicação para não perder nenhum (ou pelo menos quase nenhum) detalhe. Para quem curte o tipo de leitura que faz abrir a mente, expandir os horizontes e, por exemplo, acessar o Spotify só para ouvir a tetralogia de Richard Wagner, esse livro é para você! Vai valer a pena cada segundo. O final deixou com um gostinho de quero mais.. ainda bem que a continuação já está entre nós: Kerigma, aí vamos nós!
Pantokrátor está disponível no site da Editora AVEC. Lembrando que usando o cupom TOPICO42, você ganha 20% de desconto na compra!

Apaixonada por arte, música, literatura e filosofia. Adora a Disney, Harry Potter e Sherlock, além de ser viciada em memes. Ri de tudo, é meio perdida nas ideias, viajante do tempo nas horas vagas, só anda com fones nos ouvidos e ama tudo que é fofinho, inclusive o editor-chefe desse site.