Cecilia Meireles

Cecília Meireles, 118 Anos | “A vida só é possível reinventada”

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Cecília Meireles é uma das mais importantes poetisas do nosso país, além de escritora, professora, jornalista e pintora. Então, para homenageá-la, separamos algumas de suas obras nessa data especial.

Nascida na cidade do Rio de Janeiro em 07 de novembro de 1901, Cecília Meireles perdeu os pais ainda pequena e foi criada por sua avó. Tendo desenvolvido apreço à poesia e literatura durante a infância, escreveu seu primeiro poema aos 9 anos.

Dona de um estilo único, não se encaixando em nenhum movimento especificamente, Cecília Meireles variava dentro de diversas vertentes, tais como o simbolismo, o romantismo e o modernismo. Além de estar envolta ao público infantil, produzindo diferentes obras direcionadas às crianças.

Cecilia Meireles



Ela é desses artistas que tiram seu ouro onde o encontram, escolhendo por si, com rara independência. E seria este o maior traço de sua personalidade, o ecletismo, se ainda não fosse maior o misterioso acerto, dom raro com que ela se conserva sempre dentro da mais íntima e verdadeira poesia.

(Mário de Andrade)

Cecília sabia expressar, com louvor, o sentimento de fragilidade da vida, o breve limiar entre o efêmero e o infinito tempo, o amor, a natureza, o coração humano e seus instantes de dor, perda, solidão. Tinha em suas estrofes, a visceral busca pela compreensão do mundo, questionamentos filosóficos e apreço aos elementos da natureza. Sabia dosar as palavras e dominava a musicalidade em cada um de seus versos.

“Considero o lirismo de Cecília Meireles o mais elevado da moderna poesia de língua portuguesa. Nenhum outro poeta iguala o seu desprendimento, a sua fluidez, o seu poder transfigurador, a sua simplicidade e seu preciosismo, porque Cecília, só ela, se acerca da nossa poesia primitiva e do nosso lirismo espontâneo. A poesia de Cecília Meireles é uma das mais puras, belas e válidas manifestações da literatura contemporânea”.

(Paulo Rónai)

Separamos alguns dos melhores poemas para homenagear essa que é uma das vozes femininas mais fortes da nossa literatura, quiçá a mais forte.

  • Motivo
    Eu canto porque o instante existe
    e a minha vida está completa.
    Não sou alegre nem sou triste:
    sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

  • Ou isto ou aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

  • Canção

No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas…
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.

Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto

Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.

Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.

E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.

  • Declaração de amor em tempos de guerra

Senhora, eu vos amarei numa alcova de seda,
entre mármores claros e altos ramos de rosas,
e cantarei por vós árias serenas
com luar e barcas, em finas águas melodiosas.

(Na minha terra, os homens, Senhora,
andavam nos campos, agora.)

Para ver vossos olhos, acenderei as velas
que tornam suaves as pestanas e os diamantes.
Caminharão pelos meus dedos vossas pérolas,
— por minha alma, as areias destes límpidos instantes.

(Na minha terra, os homens, Senhora,
começam a sofrer, agora.)

Estaremos tão sós, entre as compactas cortinas,
e tão graves serão nossos profundos espelhos
que poderei deixar as minhas lágrimas tranquilas
pelas colinas de cristal de vossos joelhos.

(Na minha terra, os homens, Senhora,
estão sendo mortos, agora.)

Vós sois o meu cipreste, e a janela e a coluna
e a estátua que ficar, — com seu vestido de hera;
o pássaro a que um romano faz a última pergunta,
e a flor que vem na mão ressuscitada da primavera.

(Na minha terra, os homens, Senhora,
apodrecem no campo, agora…)

  • Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas frias e mortas;
eu não tinha esse coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida
a minha face?

  • Romance LXXXI ou Dos ilustres assassinos

Ó grandes oportunistas,
sobre o papel debruçados,
que calculais mundo e vida
em contos, doblas, cruzados,
que traçais vastas rubricas
e sinais entrelaçados,
com altas penas esguias
embebidas em pecados!

Ó personagens solenes
que arrastais os apelidos
como pavões auriverdes
seus rutilantes vestidos,
– todo esse poder que tendes
confunde os vossos sentidos:
a glória, que amais, é desses
que por vós são perseguidos.

Levantai-vos dessas mesas,
saí de vossas molduras,
vede que masmorras negras,
que fortalezas seguras,
que duro peso de algemas,
que profundas sepulturas
nascidas de vossas penas,
de vossas assinaturas!

Considerai no mistério
dos humanos desatinos,
e no polo sempre incerto
dos homens e dos destinos!
Por sentenças, por decretos,
pareceríeis divinos:
e hoje sois, no tempo eterno,
como ilustres assassinos.

Ó soberbos titulares,
tão desdenhosos e altivos!
Por fictícia austeridade,
vãs razões, falsos motivos,
inutilmente matastes:
– vossos mortos são mais vivos;
e, sobre vós, de longe, abrem
grandes olhos pensativos.

Cecília Meireles morreu de câncer, em 9 de novembro de 1964, dois dias depois de completar 63 anos, porém seu legado é inquestionável. Suas obras perduram e resistem indiferentes ao tempo. Suas palavras ainda despertam a beleza e o que há de mais belo na nossa literatura.

Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda“.


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