Capa da edição comentada de Alice no País das maravilhas da Editora Zahar

Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho | A vertente lógica, matemática e filosófica desses livros clássicos

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Alice no País das Maravilhas ainda é e sempre será a melhor lição de ética, de irreverência e de inconformismo, tanto para crianças quanto para adultos” – Nicolau Sevcenko.


Alice no País das Maravilhas me conquistou quando ainda era criança. Lá pelos 7 anos, aluguei o VHS da animação da Disney e lembro de assistir diversas vezes, de ter medo do Cheshire Cat, da sensação de ranço da Rainha de Copas, da agonia de ver Alice dormindo enquanto corria perigo em seu sonho.

Cresci e meu amor por ela só aumentou. Li seus livros, me encantei com a forma louca como tudo é narrado. O nonsense é algo que, acho que por causa da própria Alice, me instiga até hoje. Adoro! Procurei todos os filmes e versões existentes dessa personagem. Assistia tudo, lia todos os artigos, comprava tudo que via pela frente (e ainda compro, culpada!). Mas, vou me ater a falar dos livros especificamente.

Lewis Carrol, criador de Alice no País das Maravilhas, teve uma vida conturbada, com diversas polêmicas envolvendo seu nome. Porém, seu legado é eterno. O que ele criou, o mundo maravilhoso e cheio de magia, as questões filosóficas, as charadas, toda a vertente lógica e matemática inclusos na história fazem com que, cada vez mais, as pessoas se apaixonem e tentem desvendar os mistérios por trás de tudo que foi escrito.

Lewis Carroll, autor do livro

Eu sou uma delas! Cada vez que leio Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho, o faço de forma diferente e sempre encontro algo que me faz ficar ainda mais encantada. É brilhante! Não há quem diga que é apenas uma história infantil. Quem lê, acaba mergulhando nas loucuras e nos sentimentos presentes no texto. São muitos!

Cada personagem tem um motivo de estar ali. Cada detalhe foi planejado e há vários sentidos escondidos nas entrelinhas que passam despercebidos quando lidos de forma superficial. Eu simplesmente me encanto com cada filosofia contida, cada crítica à sociedade e estilo de vidas da época, cada cutucada que o autor dá de forma extremamente sutil.

Carroll trouxe um estilo de escrita para livros infantis diferente daquela época. Antes, as crianças eram apenas doutrinadas por adultos com aquela maçante educação moral, sem despertar sua imaginação e curiosidade naturais. Dessa vez, com Alice, vemos o contrário. Ela é muito bem educada, enquanto os adultos são os detentores da imaturidade e soberba, é ela quem dá bronca neles e os reprime diante de tanta loucura.

Uma clara crítica ao comportamento dos mais velhos frente às crianças, de acharem que são os donos absolutos da razão e dos sentimentos, sendo que, muitas vezes, é só um grande equívoco. Ele quis nos mostrar que devemos, sim, ouvir as crianças, afinal elas também sentem e podem nos ensinar muito! É uma completa reversão da narrativa daquela época!

O escritor também faz piada com o sistema educacional vitoriano. Alice usa palavras difíceis que ela não compreende só por parecerem importantes. A Falsa Tartaruga mesmo diz que, na escola, aprendeu “diferentes ramos da aritmética” e “ambição, distração, enfeiamento e escárnio”. Essas muitas brincadeiras e jogos com palavras, esse humor (às vezes ácido), paródias com a realidade governamental, da própria sociedade e tamanha mudança de papéis são o que fazem os livros de Carroll serem tão incríveis! Ele tem uma maneira única de mergulhar no mundo da imaginação, de investigar o seu funcionamento, seus segredos, seu potencial.

Não podemos esquecer da famosa charada do Chapeleiro! Ele lança aleatoriamente um enigma que até hoje é objeto de diversas teorias:

Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?” (“Why is a raven like a writing-desk?”)


Carroll explicou, no prefácio da edição do livro de 1896, que originalmente essa charada não tinha nenhuma resposta, mas que após ser constantemente questionado sobre uma possível solução, pensou
em algo:

Porque pode produzir algumas notas, embora sejam muito chatas; e nunca é posto de trás para frente!” (“Because it can produce a few notes, tho they are very flat; and it is nevar put with the wrong end in front”).


Há uma brincadeira tipicamente carrolliana com as palavras logo na segunda parte da resposta, porém apenas faz sentido na versão original em inglês: entre as palavras “never” (nunca) e “nevar” que de trás para frente vira “raven” (corvo).

Chapeleiro Maluco, por John Tenniel

Ao afirmar que a adivinhação não tinha uma resposta correta, Carroll sutilmente tenta dizer que o intuito era, de fato, criar uma questão nonsense, algo que não tivesse solução. Além disso, com a pergunta feita repentinamente pelo Chapeleiro, uma das interpretações possíveis é de que o enigma simboliza a forma como os adultos podem parecer confusos e, constantemente, incoerentes aos olhos de uma criança.

Tanto que a resposta da Alice ao sair do “chá” com o Chapeleiro é justamente o quanto o tempo poderia ser usado de uma forma melhor do que sendo gasto com adivinhações que não possuem resposta. Contudo, acho que, como um escritor inteligentíssimo que era, não acredito que Carroll lançaria algum ponto sem nó. Creio que essa charada já tinha uma resposta desde sempre!

Pelo mesmo caminho das charadas nonsenses e, igualmente, brilhantes, temos ainda uma outra que é maravilhosa! Em uma cena no livro Alice Através do Espelho, a Rainha Branca recita uma ‘’adivinha sobre peixes’’ para Alice:

“Primeiro pesca o peixe.

Isso é bem fácil: até um bebé o consegue, creio eu.

Depois compra-o peixe.

Isso é bem fácil: um tostão chega, creio eu.

Agora, cozinha esse peixe!

Isso é bem fácil: não leva mais de um minuto.

Deixa-o ficar no prato!

Isso é bem fácil, porque ele já lá está…

Trá-lo para aqui! Quero jantar!

É bem fácil por o prato na mesa.

Tira-lhe a tampa que o cobre!

Ah, isso é tão difícil que receio não ser capaz…

Porque se agarra a ele como cola…

A tampa está colada ao prato e o peixe está lá dentro!

Qual das duas é mais fácil?

Descobrir o peixe ou a adivinha?”


Porém, não há no livro solução alguma para esta charada. Mas, a resposta pode ser encontrada em: The Annotated Alice, edição comentada, de Martin Gardner. Veja:

O peixe é uma ostra.

– Um bebê pode apanhar uma ostra

– Um tostão na época em que Carroll vivia dava para comprar uma ostra

– É um peixe que se cozinha depressa

– Encontra-se no seu próprio prato (a concha) e por isso é fácil pô-lo na mesa

– a tampa (a concha de cima) é
difícil de se retirar porque está presa à ostra que se encontra lá dentro.


Alice e a Rainha Branca

É brilhante como, através da lógica, reunimos todas as pistas dadas para chegarmos a um resultado! E como Carroll consegue ser tão incrível em seu jogo de palavras, nos fazendo pensar, ainda que diga ser tudo ‘’nonsense”. Até mesmo os mais loucos diálogos, para mim, são cheios de significados, mesmo que não pareçam à primeira vista. Leia esse que é um dos meus preferidos e tire suas próprias conclusões:

– Não vejo ninguém na estrada! Disse Alice.

– Quem me dera ter uns olhos como os teus – observou o Rei, num tom de mau humor – consegues ver ninguém! E ainda por cima a uma distância destas! Olha que já é bom eu conseguir ver alguém com esta luz!

O Cavaleiro Branco

Sempre digo que Alice no País das Maravilhas é um livro aberto a livres interpretações, pode ter diferentes significados, dependendo do ponto de vista de cada um que o lê, sua perspectiva e percepções de vida. Ele se tornou um clássico que irá sobreviver por muitos e muitos anos sendo transformado e adaptado, pois é incrivelmente versátil.

Enfim, poderia ficar aqui enumerando as milhares de pequenas e grandes coisas que me fazem amar tanto Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho (e o que ela encontrou por lá), mas o texto ficaria gigante. Então, vou finalizar com a indicação de uma edição que é simplesmente perfeita: a Edição Comentada e Ilustrada da Zahar.

Além do texto original, temos as notas escritas pelo gênio Martin Gardner, que é um dos maiores especialistas em Lewis Carroll, as ilustrações originais de John Tenniel e muito mais. É o meu queridinho na prateleira e eu indico muito para quem quer saber mais desse universo maravilhoso que Carroll criou.

Capa da edição comentada da Zahar

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