Sonic 3 oferece boa diversão contanto que as cópias legendadas não acabem.
Incrível como a percepção do óbvio pode ser uma salvação. Quando o primeiro filme da franquia Sonic, em 2019, teve seu primeiro trailer mostrando um ouriço com design perturbadoramente antropomórfico, a raiva de uma multidão na internet levou a um adiamento para redesign.
O resultado da adoção de um visual mais próximo do conhecido, tendo em vista que trata-se de um personagem com mais de trinta anos de trajetória e com grande sucesso nos videogames, aliado a um tratamento de roteiro e direção o qual respeita a mitologia do personagem enquanto traz um enredo dos mais palatáveis, agora materializa-se em uma série de filmes lucrativa e bastante competente para o segmento familiar.
Neste terceiro filme, Sonic (voz de Ben Schwartz) é convocado para lidar com o surgimento de Shadow (voz de Keanu Reeves), um ouriço amargurado o qual alia-se a Gerald Robotnik (Jim Carrey), avô de um certo Ivo Robotnik (Jim Carrey novamente), para realizar um plano megalomaníaco. Ao deparar-se com o poder destrutivo de Shadow, o protagonista e seus amigos Knuckles (voz de Idris Elba), Tails (voz de Colleen O’Shaughnessey) e o casal Tom (James Marsden) e Maddie (Tika Sumpter) se veem obrigados a aliar-se a Ivo Robotnik de modo a encerrar o ataque.
Trata-se de um enredo típico da era Marvel de super-heróis. O roteiro do mesmo time dos dois primeiros longas até segue rumos similares de exposição verbal e divisão convencional de três atos. O trunfo está na boa caracterização: Cada personagem é bem definido e expressa-se de forma única, desde a confiança exacerbada e simpática de Sonic até a amargura empática de Shadow.
Ajuda que o elenco inteiro demonstra sempre se divertir com estes filmes, e se Jim Carrey era o destaque nos dois primeiros, aqui o comediante brilha mais que o sol ao encarnar dois vilões megalomaníacos, distinguindo-os ao brincar com a antipatia de Gerald e aproveitar a simpatia adquirida de Ivo. No segmento de vozes os destaques vão para Keanu Reeves e Idris Elba (impressionante como o ator traz a mesma competência de ator de formação teatral mesmo para os papéis mais simples) e para o bom senso de não ter que ouvir a voz do Julio Cocielo (mais sobre o tal “star talent” que de talent não tem nada e sobre o sucateamento dos dubladores no final do texto).
Enquanto diretor, Jeff Fowler faz o que se esperaria após os dois primeiros: boas cenas de aventura as quais costumam ter quadros abertos (com os corpos tanto digitais quanto humanos ganhando destaque, o que é obrigatório quando se tem Jim Carrey no elenco) e momentos de sensibilidade entre os bichinhos (se no segundo filme trazia Sonic compartilhando um cobertor com Tails, neste dois personagens dividem um momento de contemplação e entendimento o qual ganha grandiosidade do plano aberto) ganham a mesma força. Há sim muitos close ups e a edição não é muito adepta de manter os planos por muito tempo, porém numa era de continuidade intensificada, os filmes do Sonic estão longe de serem um sintoma problemático.
Por fim, os efeitos continuam competentes, abraçando o design cartunesco dos jogos e contrastando bem com os ambientes reais, com a produção tendo a benção de aproveitar a pouca verba para filmar em cenários minimamente palpáveis. Sim, há um momento em que a cor azul acaba fazendo com que o visual especialmente de Knuckles salte da tela de forma artificial, mas é uma exceção.
Não há muito segredo quando falamos sobre Sonic 3. Na busca por entretenimento familiar de qualidade, estes filmes funcionam perfeitamente como boa distração com um mínimo de substância.
Apenas tentem evitar dar dinheiro para subcelebridades picaretas e sem talento as quais são insistentemente chamadas e recebem valores astronômicos para fazer trabalhos de dublagem porcos que acabam com o fator de durabilidade dos filmes (afinal vocês acham mesmo que as pessoas iriam amar Toy Story se as vozes de Woody e Buzz fossem do Rodolfo e do E.T.? Alguém se submete a ver Enrolados dublado hoje em dia sem morrer de vergonha?). Paga-se demais para gente incompetente e de menos para profissionais tarimbados numa era de precificação de ingressos já superfaturada.
Já basta as dúvidas sobre qualidade dos filmes recentes, o medo de entrar numa sessão de Wicked e ouvir a voz cantante da Valesca Popozuda ou de entrar de animação infantil (hoje o gênero mais castigado pelas más práticas) e se deparar com a voz da Deolane ou da Jojo Todynho me afastou de comparecer nas salas de cinema para muitos longas.
Até hoje não houve divulgação de que dados os quais atestem que alguém foi ver Frozen pra ouvir o Fábio Porchat ou Toy Story 4 para ouvir o Marco Luque (e olha que falei apenas de atores, despreparados sim, mas atores, então o que dizer de Cocielo, presente na dublagem deste aqui, ou de um Whindersson Nunes?), portanto a falácia de “chama bilheteria” continua sendo apenas uma falácia e uma desculpa para sucateamento dos bons profissionais. Valorize os bons trabalhos de atuação, os bons dubladores e não dê dinheiro para quem não merece.
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.