Sofia Foi é um projeto filmado na USP com diversos acertos, mas peca por não aproveitar seu potencial.
Um dos resultados do processo de busca por representatividade na década de 2010 manifestou-se pela profusão de temas relevantes sendo abordados nas narrativas cinematográficas a partir de então. Ao mesmo tempo, produções de outrora as quais contavam com enredos mais simples, porém tendo esmero em seu desenvolvimento, acabaram por sofrer certo escrutínio.
Não é difícil encontrar releituras contemporâneas questionando os méritos de Cidadão Kane ou O Poderoso Chefão enquanto alguns dos representantes de maior qualidade da arte cinematográfica. A questão inconveniente com a qual os contemporâneos veem-se obrigados a lidar é a de que não adianta temas ambiciosos se seu filme não tem risco, substância ou caracterização para sustentá-los. A exaustão gerada pela Disney foi a responsável por jogar luz sobre tal inconveniência, mas o cinema independente definitivamente precisa refletir sobre isso.
O que nos leva a “Sofia Foi”. Estreia de Pedro Geraldo na direção, o longa brasileiro gira em torno de Sofia (Sofia Tomic), a qual, despejada de seu lar, se vê obrigada a passar noites na Universidade de São Paulo. Acompanhamos, a partir disso, sua estadia, pequenas desventuras e paixões.
Há de se apontar que em termos técnicos o filme tem seu grande valor. O ambiente uspiano é vivo e cheio de cores distintas as quais refletem os tons narrativos. A direção, por sua vez, realizada em aspecto 4:3, é o grande chamariz: Composições verticais, diversidade cenográfica dentro do fotograma e longas tomadas as quais contam com boa direção de atores tanto nos quadros abertos quanto nos close ups.
Há um preço neste grau de qualidade: o diretor por vezes parece tão encantado com sua própria habilidade que mantém certas tomadas em andamento mais que o necessário (por exemplo uma cena de beijo entre duas personagens).
Este é um dos princípios de autoindulgência do projeto, o qual sustenta-se na relevância temática (o abandono às camadas LGBTQ+ especialmente), mas esquece de contar uma história com substância. Dentro dos 67 minutos de filme há muito espaço para devaneios, porém pouco para desenvolvimento substancial.
Pouco começamos sabendo de fato sobre a protagonista (a não ser sobre sua paixão por uma outra pessoa ainda menos caracterizada) e permanecemos nesta incógnita ao final. Os diálogos, escassos e excessivamente pretensiosos em suas tentativas de analogia, não ajudam no processo.
Novamente, a arte da roteirização parece precarizada. Parece que o esmero técnico e a representatividade satisfazem a equipe de produção, a qual cumpre seu papel enquanto projeto de estreia de uma equipe bastante promissora. Espero, porém, que seu próximo seja elaborado com mais cuidado em sua história e diálogos.
Sinopse de Sofia Foi:
Sofia, forçada a sair do apartamento em que vivia, fica à deriva nos espaços da Universidade de São Paulo. Sem ter para onde voltar, ela passa por encontros e memórias nesse dia determinante em sua vida.
Sofia Foi é um lançamento da Sessão Vitrine Petrobras, uma iniciativa que mensalmente leva o cinema nacional a preços acessíveis para espectadores de todo o país. Com uma curadoria diversificada, que preza pela promoção de títulos inovadores e originais, o projeto tem como objetivo formar público e democratizar o acesso à produção audiovisual brasileira.
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.