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Sobreviventes | Quando tema e narrativa não se sobrepõem 

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Filme de José Barahona, Sobreviventes, é uma aventura revisionista formalmente moldada.


Em um momento no qual há grande anseio por diversidade e relevância temática, parece que um projeto tal como Sobreviventes é mais do que bem-vindo. Este longa de José Barahona estreia uma semana depois de Pecadores, trazendo uma releitura de um contexto histórico diversas vezes debatido e valorizando tanto aspectos formais do cinema quanto uma história pautada pela imprevisibilidade. 

Na trama, situada no meio do século XIX, há um grupo de naufragados, no qual há um homem negro num contexto nos quais os navios negreiros e a escravidão ainda eram parte da estrutura social e comercial entre o Brasil e o exterior. A necessidade de colaboração numa situação de emergência vai de encontro com os estigmas do período. 

Conflitos e alianças surgem e, com isso, uma série de eventos que seriam perfeitamente cabíveis para uma narrativa envolvente mais interessada por contar algo que saia do lugar comum do que ater-se ao historicismo. Sim, muitos dos termos, dos ataques verbais e das dinâmicas presentes são familiares aos acostumados com a abordagem tomada para filmes voltados ao período escravagista. Todavia, os rompimentos destes são sempre interessantes e bem alicerçados pela história, algo desencadeado por conta da paciência com a qual o roteiro coloca os personagens em contato com aquele ambiente e situações para, depois, subvertê-las.



Excelentes atuações (claro, estamos num país de excelência teatral) do grupo principal e dos personagens gradativamente apresentados auxiliam na imersão criada pelo texto de Barahona. Há uma praticidade nos diálogos a qual sempre serve a narrativa convenientemente, com a porção certa de nuance (quando um casal conversa sobre por que não pode permanecer em determinado lugar, não é preciso grande explicação para entendermos). 

Mas o ponto alto da produção firma-se pela direção. Barahona escolhe o enquadramento acima de 1.85:1, priorizando altura e, ao mesmo tempo, ambientes com extensão delimitada. A opressão do ambiente é estabelecida pelos planos com duração acima da média, pautados pela verticalidade, enquanto os mais fechados são usados de forma econômica. A belíssima fotografia também faz milagre ao lidar com ambientes nos quais a claridade parece extrema e ainda assim fazer com que tudo pareça bem delimitado e delineado. 

(Foto por Hugo Azevedo)

Talvez por conta do clima passional sobre o filme de Ryan Coogler, não me surpreenderia se mais uma vez o cinema brasileiro fosse deixado de lado pelo público padrão. Mas o sucesso imenso de Ainda Estou Aqui em bilheterias e sua vitória no Oscar talvez alimentem ao menos uma vontade de alguns espectadores para Sobreviventes, um filme muito bem concretizado, o qual valoriza temas sem jamais esquecer do potencial de sua narrativa. 

Espero, sinceramente, que sim. 

Sinopse de Sobreviventes:


“Meados do século XIX. Um grupo de sobreviventes do naufrágio de um navio negreiro, brancos e negros, dão a uma ilha deserta, perdida algures no Oceano Atlântico. A luta pela sobrevivência e pelo poder vai inverter os valores morais e sociais da época. Isolados, será possível que deixem de lado o passado das relações de poder e subjugação e encontrem uma nova forma de viver em harmonia?”

Sobreviventes é uma coprodução Brasil–Portugal, com passagens por festivais como IndieLisboa, Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e Festival de Cinema Brasileiro de Paris. No elenco estão Miguel Damião, Allex Miranda, Anabela Moreira, Roberto Bomtempo, Zia Soares, Paulo Azevedo, Ângelo Torre, Kim Ostrowskij e Hugo Narciso.

A história de Sobreviventes foi criada por Barahona e desenvolvida em parceria com o escritor angolano José Eduardo Agualusa, autor de livros traduzidos em mais de 30 idiomas e vencedor de prêmios como o Independent Foreign Fiction Prize, no Reino Unido, e o Prêmio Literário Internacional de Dublin. 

O longa estreou nos cinemas brasileiros com distribuição da Pandora Filmes.


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