Saudosa Maloca - Capa

Saudosa Maloca | Outro candidato a jovem clássico na carreira de Paulo Miklos

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Em Saudosa Maloca, Pedro Serrano consolida sua paixão por um tema com um filme de abordagem impecável.

Em uma das raras vezes em que escrevi pequenos textos para o Letterboxd, falei sobre como alguns cineastas fazem um trabalho de ficção apenas e, posteriormente, desaparecem. Deixam, assim, uma forte marca, alcançando na primeira tentativa algo que muitos levam uma carreira pra conseguir, isto quando conseguem. Como dizem os memes, “recusando-se a elaborar a respeito”.

No Brasil, país tão impiedoso com os profissionais do audiovisual, isso tem histórico: Antunes Filho dirigiu o lendário Compasso de Espera em 1973 e prontamente retornou ao teatro, onde permaneceu até seu falecimento. Já Carlos Cortez comandou Querô em 2007 e dedicou-se à filantropia até o fim da vida. Espero que no caso de Pedro Serrano, o qual estreia como cineasta de um longa de ficção com Saudosa Maloca, este retorne para continuar exercendo o talento extraordinário demonstrado.

Focando-se na vida do sambista Adoniran Barbosa, Serrano distancia-se da trajetória tradicional das cinebiografias (ascensão, queda, retorno) ao alternar entre o protagonista (interpretado pelo sempre excepcional Paulo Miklos) já idoso, dividindo suas memórias com um garçom (Sidney Santiago), e sua contraparte mais jovem em meio a desventuras com os amigos Mato Grosso (Gero Camilo, veterano cuja presença sempre é um presente) e Joca (Gustavo Machado).

Paulo Miklos, Gustavo Machado e Gero Camilo em Saudosa Maloca.

Trata-se de uma comédia com toques dramáticos apropriados. O roteiro de Rubens Marinelli e Guilherme Quintella explora o cotidiano do trio no passado dentro de sua “maloca” (um conjunto habitacional em condições, digamos, simples) enquanto tentam obter dinheiro seja por meio de empregos formais ou apostas sem jamais perder a oportunidade de divertirem-se no bar e compartilhar suas ideias e frustrações em sambas.

Os diálogos abraçam o dialeto popular caro ao cantor com naturalidade e as tiradas dos três amigos refletem visões de mundo simples, pautadas no prazer imediato, mas nunca ignorantes. O desenvolvimento narrativo é investido em grande parte na dinâmica destes com coadjuvantes tais como sujeito rico o qual deseja destruir a maloca do título (sendo a gentrificação um tema mais abraçado pela produção do que meramente retratar a vida do cantor de “Pafunça”) e com a barista Iracema (Leilah Moreno, excelente).

Se as atuações e roteiro são afiados, a direção é o ponto de maior destaque de Saudosa Maloca. Gravado em 1.85:1, o longa quebra expectativas ao trazer o tradicional contraste “Presente cinzento vs Passado colorido” ao investir em planos fechados em seus personagens no presente, os engrandecendo em relação aos ambientes (os quais perderam sua vida ao mesclar-se com a urbanização), enquanto que o passado enquadra estes pequenos em relação aos imensos prédios e construções arcaicas.

Tomada a qual ilustra a beleza da direção e da fotografia ao compor ambientes altos e personagens em contraponto a estes no aspecto 1.85:1.

Outra artimanha usada por Serrano está na maneira com a qual este movimenta a câmera. Quando lidam com o externo (tal como na imagem utilizada acima), as tomadas tendem a serem estáticas e a enquadrar os corpos dos atores verticalmente, valorizando a linguagem corporal destes. Enquanto isso, as tomadas dentro do bar e da maloca contam com movimentos extremamente fluidos e cortes suaves, denotando a vida destes ambientes.

Em tempos nos quais cineastas parecem não ter certeza sobre qual aspecto de tela usar (vide O Sequestro do Voo 375, filmado em 2.35:1, o famoso “scope”, com maior parte das tomadas sendo nos rostos dos atores), Serrano demonstra ter estudado imensamente composição e posicionamento de atores dentro de enquadramento (“blocking”).

Enquanto cinebiografias preocupam-se a recriar a trajetória de pessoas conhecidas e momentos chave de suas vidas e da memória afetiva de seus seguidores, Saudosa Maloca preocupa-se em honrar tanto Adoniran Barbosa quanto sua vivência. 

Trata-se de um filme belíssimo o qual adota uma temática conhecida do cinema brasileiro, aquela do sujeito convicto tendo que defender sua visão de mundo perante os desafios externos e, com isso, ecoa o melhor tanto da música nacional quanto da nossa história cinematográfica. Mazzaropi, um sujeito que entendia uma coisa ou outra sobre a vivacidade do homem modesto, ficaria orgulhoso.  

Saudosa Maloca – Trailer

Saudosa Maloca

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