Primeiro longa-metragem do diretor chileno Felipe Carmona, Prisão nos Andes é uma reflexão potente sobre a ditadura chilena e a responsabilização dos criminosos.
O poder segundo Weber é a capacidade de mudar a conduta alheia. Vejamos um exemplo, quando um policial manda descer do carro é obedecido pois tem um poder sobre a outra pessoa, em última etapa pode levar preso caso não obedeça a ordem. Naturalmente o poder não é só sobre força física, existe a parte racional-legal em que um ou um grupo de indivíduos exercem poder a partir da legalidade e regras estabelecidas anteriormente, ou a carismática em que se acredita que alguém é superior e por isso suas ordens devem ser seguidas. Militares de alta patente têm o poder a partir dos subordinados em uma mistura de força, carisma e legalidade, entretanto qual é o poder dos generais aposentados, em especial os presos por crimes contra a humanidade?
Essa pergunta é o ponto de partida de Prisão nos Andes, filme de estreia do diretor chileno Felipe Carmona em uma produção chileno-brasileira. Acompanhamos a história de generais chilenos presos por crimes durante a ditadura de Pinochet anos após o fim do regime, contudo a prisão está mais próxima de uma casa de veraneio no interior do que as prisões convencionais, inclusive os guardas na verdade sendo serventes dos detentos.
O conflito do filme se desenvolve quando um dos generais presos concede uma entrevista em que debocha da prisão em que estão, a partir disso existe uma reação da sociedade civil por uma transferência do presídio. O ritmo do filme é muito importante para criar a rotina desses generais. Nos primeiros minutos vemos praticando tiro ao alvo, arrumando quartos, lendo jornal, jogando e outras atividades corriqueiras em uma bolha completamente afastada da vida fora daquele espaço, com uma vida de bonança e luxos. O que surpreende é o fato deles darem ordem aos guardas, deixando muito claro a superioridade deles.
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Como um detento dá ordem e por que isso acontece são dúvidas que surgem naturalmente. Quando a vida deles passa a ser ameaçada é que vemos as reações deles, variando de ameaça, pechincha até tentativa de negociação, mostrando claramente que o poder deles é uma farsa. Se em um primeiro momento eles conseguiam dinheiro para manter seus luxos por causa dos contatos com pessoas fora da prisão, quando a comunicação é cortada mostra como o poder lá é frágil.
Esse esfacelamento do poder dos generais é o grande ponto de interesse, o filme utiliza da rotinas das outras pessoas que interagem com eles para tornar claro a diferença entre os dois grupos, com os de “fora” sendo capaz de fazer o que eles queriam fazer. Nesse ponto destaque para a interpretação dos generais, juntos eles formam uma espécie de máfia, mas quando estão separados podemos ver melhor o desespero de cada um.
Mesmo acompanhando esses personagens de perto, a representação é muito precisa em mostrar que são pessoas ordinárias, em alguns momentos gentis, com netos, outros gostando de música clássica, mas sem transformá-los em inocentes, nunca se perde de vista o motivo de eles estarem presos. Existe um equilíbrio em não transformá-los em vilões de desenho animado, mas também não há um perdão para eles. Esses militares sabiam o que estavam fazendo e não se arrependem dos crimes que cometeram durante a ditadura. A abordagem complexa torna o filme interessante, mesmo quando tem alguns problemas de ritmo no meio para o final.
Em uma abordagem única, Prisão nos Andes mostra sua força. É uma reflexão potente sobre a ditadura chilena e a responsabilização dos criminosos. Felipe Carmona mostra um domínio surpreendente para um diretor estreante brincando com gêneros, indo do terror até os clássicos, dentro do filme sempre mantendo o ponto em que quer chegar, apesar de alguns momentos demorar para alcançá-lo.
Com distribuição da Retrato Filmes, Prisão nos Andes, longa-metragem de estreia do diretor chileno Felipe Carmona, chega aos cinemas nesta quinta-feira, 19 de setembro.
Confira o trailer de Prisão nos Andes:
Estudante de letras, com interesse em filme de hominho e literatura de fantasia. Curte assistir e praticar esportes, adora ir ao cinema e é torcedor do Palmeiras.