Comandado pela estreante Chie Hayakawa, Plano 75 estreia no Brasil com distribuição da Sato Company e traz questionamentos sobre decisões governamentais acerca do controle populacional.
Desde a vitória do sul coreano Parasita no Oscar de 2020, propaga-se que o oriente vem forte. Os sucessos recentes de Monster, Godzilla Minus One, O Menino e a Garça e Dias Perfeitos colocam o Japão como um dos proponentes deste movimento, em especial no Brasil, onde sempre houve um público cativo pelo audiovisual da terra do sol nascente.
Com isso em mente, a Sato Company fez um grande trabalho de divulgação de Plano 75, estreia na direção de longa metragens de Chie Hayakawa. Na trama, o governo japonês coloca em prática o plano-título, o qual vem para servir de suposta alternativa para os problemas de envelhecimento populacional. Com a implementação, os idosos acima de 75 anos ganham a opção de eutanásia pelo governo num programa o qual estabelece condições de conforto para os últimos dias dos optantes.
Seria possível em outras décadas a criação de uma narrativa cheia de ironias tragicômicas na qual um governo se oferece para matar legalmente cidadãos idosos. No entanto, uma realidade em que cortes em aposentadorias e medidas de austeridade são tomadas com os mandantes responsabilizando a população idosa, a abordagem dramática de Hayakawa mostra-se apropriada.
O texto da própria diretora em parceria com Jason Gray é bastante modesto: diálogos práticos, com os momentos de subtexto surgindo mais apoiados pelo visual do que pela escrita (mais sobre isso a seguir), e a abordagem estrutural é a de histórias paralelas conectadas por tema. Dentro desta, busca-se pensar nos distintos pontos de vista da realidade retratada e, assim como a qualidade das conversas dos personagens, a construção de situações é bastante simples.
Há surpresas apenas quando surgem comentários sobre as políticas imigratórias japonesas (algo fundamental para discussão sobre dinâmicas de contribuintes), mas mesmo estes são simples, girando em torno de dinâmicas familiares conhecidas e de hierarquias de trabalho (uma das tramas envolve uma trabalhadora filipina com uma filha doente e problemas financeiros). Simplicidade não é um problema, necessariamente, porém na tentativa de abordar muitos pontos de vista, o roteiro dissolve parte da contundência de sua mensagem com o famoso “atirar para todos os lados”.
O respiro surge na ótima abordagem visual de Hayakawa, cineasta a qual, em dois terços do filme, evita a famosa câmera na mão em prol de tomadas com movimentos suaves e quadros com organização inspirada. Em uma simples composição com uma personagem centralizada num apartamento pequeno e abarrotado de objetos diversos, a diretora consegue comentar tanto sobre os dilemas internos de uma idosa disposta a entrar no programa quanto à precariedade financeira e estrutural a qual esta população é sujeita.
Além disso, a preferência da diretora em Plano 75 é por tomadas razoavelmente longas, evitando a dinâmica de cortes frenéticos típica do cinema de continuidade intensificada, além de preferir compor as imagens com elementos diversos e mais de um personagem em cena. O uso de tomadas de apenas um personagem (os chamados “singles”, com Oppenheimer sendo um grande exemplo recente de produção a qual prioriza este tipo de abordagem) e close ups de forma pontual, para estabelecer impacto e ressonância temática.
Toda a meticulosidade visual da diretora traz as figuras retratadas absorvendo, de formas variadas, as dores que o mundo atual recusa-se a sentir. Se a população acostumou-se a ver mortes como números estatísticos, Plano 75 busca mostrar a dor da perda e da despedida como deveria ser sentida.
Se não alcança a grandiosidade de um Ozu na discussão sobre a internalização da dor pela população japonesa (e quem alcançou?), vale a recomendação especialmente por ser uma boa estreia de uma cineasta a qual merece todas as oportunidades de visibilidade e aprimoramento.
Plano 75 – Trailer
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.