O Sequestro do Papa, filme de Marco Bellocchio, tem algo a dizer e sabe como fazê-lo.
De vez em quando, me deparo com filmes que insistem em propagar suas mensagens em vez de contar uma história a qual leve a estas. Com décadas e mais décadas de evolução da sétima arte, considero um erro grave uma produção priorizar a pregação sobre uma narrativa bem estruturada, mesmo quando concordo com o que está sendo pregado.
Por sorte, o italiano Marco Bellocchio, o qual conta com uma carreira de mais de sessenta anos e quase trinta filmes em sua direção, vem para mostrar como se faz. Em O Sequestro do Papa não faltam causas importantes a serem trazidas para a luz, porém isso jamais vem em detrimento de personagens, progressão e atmosfera.
Baseado no caso real de Edgardo Mortara (interpretado aqui por Enea Sala), o filme se passa em 1851. O sexto filho de uma família judia estabelecida na Bolonha é batizado em segredo por uma babá, que confessa seu ato para um líder católico local. Feito isso, o Papa Pio IX (Paolo Pierobon) reivindica a criança, a qual é levada pelos oficiais de lei para os domínios da Igreja Católica. Assim, a família Mortara, encabeçada pelo pai (Fausto Russo Alesi), parte para uma cruzada para reaver seu filho.
A produção, assim, coloca sob discussão os absurdos representados por uma lei submissa às ordens religiosas. Há uma vastidão de argumentos visualmente e narrativamente representados (destaque para a discussão acerca da necessidade de testemunhas de batismo). Entretanto, mais do que escancarar sua mensagem, Bellocchio prioriza o cinema enquanto envolvimento e imersão.
Assim, ainda que a abordagem do cineasta seja moderna (cortes razoavelmente rápidos, tomadas de estabelecimento seguidas de plano e contraplano de diálogos, entre outros), o diretor torna seu filme acessível independentemente do cenário político-religioso-sociológico de 2024. Os diálogos também utilizam-se do analítico apenas na proporção do possível para o público poder formar suas opiniões e posições.
De volta à direção, há um equilíbrio entre a decupagem ágil e o classicismo, pois a linguagem corporal dos atores jamais é desvalorizada, além de uma atmosfera de tensão apropriada enfatizada pelas composições verticais opressivas (em 1.85:1), uso de sombras e salientação de cores primárias.
A progressão realizada sobre a atmosfera tensa é apropriada, ainda que o terceiro ato conte com uma ruptura cuja conclusão soe um tanto súbita, pois diz respeito a ações contraditórias de um certo personagem demonstradas em sequência. Nada a prejudicar o projeto como um todo.
Em resumo, O Sequestro do Papa é um exemplar de entretenimento para adultos feito respeitando a inteligência de seu público. Com isso, o resultado é não só a concepção de um bom filme como a preservação de sua potência para as gerações por vir.
Sinopse
Baseado na escandalosa história verídica de um menino judeu, Edgardo Mortara, que foi sequestrado da casa de sua família em Bolonha, em 1858, por ordem do Papa Pio IX. Durante anos os pais dedicam seus esforços para recuperar seu filho, mas, apesar dos apelos desesperados da família e da indignação pública, o Papa permanece irredutível. A história deles revela um capítulo sombrio da tirania histórica na Igreja tendo como pano de fundo uma nação à beira da revolução.
A produção foi indicada em 11 categorias no Davi di Donatello, entre elas, melhor filme, diretor e roteiro adaptado, e venceu nas categorias melhor figurino, maquiagem e cabelo.
O Sequestro do Papa será lançado em 18 de julho nos cinemas pela Pandora Filmes.
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.