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O Estranho | Filme tem tema relevante e abordagem estética coerente

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O Estranho aborda o processo de demarcação de terras indígenas com força na direção de Juruna Mallon e Flora Dias.

Com poucos segundos do brasileiro “O Estranho”, seu ponto mais forte: a direção. Nada mais apropriado, tendo em vista o tema envolvendo o processo de tomada de terras indígenas durante a formação da cidade de Guarulhos.

Antes de mais nada, a trama conta com Alê (Larissa Siqueira) como protagonista, uma funcionária do aeroporto de Guarulhos a qual lida com questões financeiras adversas e tenta construir um futuro viável com sua namorada (Patrícia Saravy). Enquanto refletem sobre seus objetivos e vontades, as duas mulheres tentam conectar-se com suas raízes, com destaque à indígena, pois Alê tem ascendência de tribo originária e, na atualidade, vive e trabalha num local tomado de seus ancestrais.

Durante os primeiros minutos somos apresentados a uma sequência de belíssimas imagens e sons os quais demonstram vivacidade e misticismo a territórios antes ocupados por populações originárias das terras hoje chamadas de Brasil. Os diretores Juruna Mallon e Flora Dias fazem uso de um fotograma com aspecto entre 1.66:1 e 1.37:1, o qual prioriza composições verticais e, ao mesmo tempo, com uma extensão horizontal razoável.

O resultado em cena materializa-se com um visual “alto” e, ao mesmo tempo, rico em detalhes e preciso nas nuances de cinematografia. As composições voltadas ao retrato de ambientação são contundentes e com movimentos de câmera raros e, quando presentes, suaves.

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Aeroporto Internacional de Guarulhos

Já as tomadas com atores são geralmente longas, precisamente ensaiadas e contam com bela organização destes em cena, valorizando a expressão corporal destes. Ainda que em menor quantidade, existem os close ups, os quais dividem-se entre duas categorias.

Há aqueles com lentes menores (a prioridade das diretoras e da diretora de fotografia Camila Freitas), as quais colocam os atores em mesma evidência que os cenários (de forma quase opressiva do mundo em torno destes nas tomadas envolvendo o aeroporto de Guarulhos e atrativa naquelas dentro de ambientes naturais). Em contrapartida, aqueles que utilizam lentes grandes servem para embaçar o cenário, retratando distanciamento emocional daquelas pessoas em relação ao mundo o qual queriam habitar.

O Estranho, filme de Juruna Mallon e Flora Dias

Do ponto de vista estético, as escolhas dos diretores são extremamente adequadas. Já o roteiro, também escrito por Mallon e Dias, tem suas questões. A escolha por eventos sem muito senso de progressão não é exatamente um problema, ainda que certamente vá trazer ataques de pelanca àqueles apegados à estrutura de três atos.

Já os diálogos acertam quando investem na sutileza (como evidenciado pelas interações de três personagens na loja de equipamentos eletrônicos). Infelizmente, narrações em off e rupturas estruturais na última meia hora transformam o longa num semi-documentário e acabam prejudicando a fluidez e a beleza da contemplação de O Estranho. Acabam sendo momentos os quais trocam subtexto por panfletarismo.

Felizmente, são problemas pontuais que não diminuem os méritos da produção, a qual tem também o trunfo de contar com atuações naturais e confortáveis. Para aqueles que não sentem necessidade de narrativas atribuladas, montagens picotadas e estímulos visuais frenéticos, O Estranho, portanto, vai ser valorizado como um bom filme.

Sinopse

O Aeroporto Internacional de Guarulhos foi construído sob um antigo território indígena. Nesse espaço onde 35 mil trabalhadores garantem o funcionamento diário, Alê (Larissa Siqueira) tem sua vida atravessada pelas origens do aeroporto e por rastros de um passado em constante transformação. Seguindo personagens cujas vidas se cruzam no dia a dia, o olhar se fixa não sobre aqueles que passam, mas sobre o que permanece num local impregnado pelas feridas originárias de um país.

O Estranho estreia em 20 de junho nos cinemas pela Embaúba Filmes. O longa foi realizado com recursos do FSA e da Lei Aldir Blanc, em coprodução com a Spcine e Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, teve o apoio financeiro do fundo holandês Hubert Bals Fund e do fundo suíço Visions Sud Est, além do apoio do Projeto Paradiso. Participou também dos laboratórios LoboLab, Novas Histórias e BrLab, do encontro Proyecta do Ventana Sur e dos eventos de work in progress do Brasil CineMundi e do Festival de Rotterdam.

O Estranho – Trailer

O Estranho

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