O Brutalista, filme de Brady Corbet, honra o passado com narrativa a qual não perde nenhum segundo.
De alguns anos pra cá, quando um filme se propõe a ser um “retorno aos clássicos” intuitivamente tenho suspeitas. Ora, escorar-se superficialmente a recursos de outrora pode ser mais frustrante do que apenas apresentações de mediocridade, pois haverá a inevitável comparação com aqueles que os utilizaram até o limite. Os clássicos sempre serão os clássicos e se uma produção moderna não souber o que fez estes atingirem tal patamar, vira uma homenagem vazia.
O Brutalista foi vendido como um retorno aos épicos à moda antiga, com direito a um intervalo de quinze minutos. Além do mais, foi divulgado que o longa foi fotografado com VistaVision, o fotograma criado nos anos 50 como uma variante dos 35 milímetros, sendo uma das respostas à ascensão da televisão (assim como o Cinemascope, agora apenas widescreen de aspecto 2.20:1 e superiores). Muitos sentiram que talvez o peso das ambições, em especial na duração de 215 minutos, não se justificasse, mas o trabalho de Brady Corbet é um deleite o qual não perde um minuto sequer.
Situado no pós-Segunda Guerra Mundial, o longa tem como protagonista László Tóth (Adrien Brody), um arquiteto hungaro-judeu que chega aos Estados Unidos após ter sobrevivido aos Campos de Concentração nazistas e de ter sido separado de sua esposa (Felicity Jones) e sobrinha (Raffey Cassidy). Após ter sido contratado pelo filho de caráter duvidoso (Joe Alwyn) de um industrialista rico (Guy Pearce), László entra num projeto ambicioso onde terá que enfrentar diversos obstáculos para que sua arte prevaleça.

Levando em conta a participação de Brody em outro projeto sobre sobrevivente do holocausto, O Pianista, meu receio inicial era de que o filme de Corbet fosse também um ciclo de demonstração de sofrimento e injustiças por três horas e meia. Contudo, o roteiro de O Brutalista trata de romper com essa expectativa assim que Tóth é confrontado pelas privações da fome, pois o protagonista não demora para mostrar-se além de perseverante, um homem com senso de justiça, adaptável e astuto. Acima de tudo, trata-se de um homem articulado e um profissional centrado, algo o qual, claro, será subvertido conforme os incidentes narrativos acontecem.
Se a maior parte dos indicados ao Oscar deste ano refletem a tendência da obviedade e da falta de subtexto abraçada por Hollywood pós-redes sociais, O Brutalista realmente retoma os clássicos, na tradição dos textos dos Dalton Trumbo e Robert E. Sherwood, ao não cair nos clichês na hora de demonstrar os problemas enfrentados por Tóth. As barreiras não são meramente do desgosto físico sentido pelos estadunidenses, e sim de cultura e classe. A relação entre Tóth e o industrialista é de um homem letrado, erudito e com bagagem cultural refletida em seu trabalho como arquiteto, enquanto o segundo mostra-se apenas produto de gerações de rentistas e exploradores de força de trabalho (e não à toa, a figura do filho arrogante é quase tão proeminente quanto a do pai rico).
O burguês mostra-se tão encantado quanto ameaçado pelo conhecimento e a habilidade enunciativa do protagonista, algo refletido não só na sucessão de eventos que o leva a contratar o segundo de forma definitiva como na magistral cena da conversa na biblioteca: enquanto o rico discursa um entediante monólogo sobre a própria vida, o qual julga ser interessantíssimo, Tóth poetiza seus pensamentos e ambições com habilidade invejável.

A admiração, claro, é uma base para conflito, o qual é potencializado pela chegada de Erzsébet Tóth, a esposa, uma pessoa a qual adquiriu osteoporose pela extrema fome nos campos de concentração, porém cuja riqueza cultural (refletida em seu inglês afiadíssimo) serve de base confrontacional ainda maior para as limitações intelectuais do industrialista. A batalha, então, não cobre o mesmo território que outros ótimos longas recentes (Parasita, Coringa) abrangeram sobre classes sociais. Tal abordagem permite que cada personagem comunique-se de forma distinta e única e que cada situação surja a partir de suas personalidades, histórias e idiossincrasias.
Se o roteiro parece não querer desperdiçar nenhuma linha de diálogo ou situação, a direção explora ambos com o maior apreço estético e pungência visual possíveis. Do contraste entre a escuridão dos cargueiros de imigrantes contrastando com o céu e a estátua da liberdade no começo até as grutas italianas exploradas no terceiro ato, O Brutalista adota o tema arquitetônico para justificar sua grandiosidade, e assim adota o aspecto 1.66:1 de modo a enfatizar altura e ao mesmo tempo preenchimento horizontal orgânico e equilibrado.
O maior exemplo desta abordagem é a cena na qual a primeira obra realizada em cena por Tóth, uma biblioteca, mostra-se completa, num longo plano em que este mostra-se literalmente central para que a imponência do ambiente faça-se concreta. Não faltam planos longos e contundentes, sejam aqueles em que a belíssima música de Daniel Blumberg impera quanto os dominados pelos excelentes diálogos escritos por Corbet e Mona Fastvold. O movimento de câmera também é dos mais suaves na maior parte do tempo, apenas agitando-se nas cenas de tensão, em especial envolvendo o personagem de Guy Pearce.

Para cada diálogo brilhante, há um momento de grandiosidade que justifica a escolha de uma abordagem clássica do diretor, e a escolha do VistaVision não poderia ser mais acertada. A fotografia de Lol Crawley dispara os tons de verde claro, vermelho e amarelo, além de tornar as sombras mais opressivas (tal como a longa cena de conversa entre László e Erzsébet, rodada em close up e valorizando a grande expressividade dos atores). O plano, o qual traz László à noite, fumando e sobreposto a faísca, é outro dos quais além de esteticamente belos ilustram a urgência dos personagens sem que nada de expositivo seja dito.
Se não bastasse tudo isso, temos também em O Brutalista um trabalho de edição primoroso, o qual mantém a durabilidade dos planos num ritmo saudável até mesmo nas situações triviais, como a dinâmica do plano-contraplano do citado diálogo na biblioteca. Sempre há tempo para que nossos olhos naveguem pelos ambientes e pelos sentimentos exprimidos em cena.
Por fim, as atuações são unanimemente brilhantes, com cada membro do elenco tendo sua chance de brilhar. No começo estranhei Adrien Brody ser uma unanimidade nas premiações, porém a infinita expressividade unida à fisicalidade, vulnerabilidade e eloquência demonstradas pelo ator tornam-o uma força da natureza comparável à nossa Fernanda Torres por Ainda Estou Aqui. Trata-se de um homem tão inteligente quanto traumatizado, sexualmente frustrado e assustado, o qual contrapõe-se a um Guy Pearce o qual tenta ter uma fachada de inteligência e bagagem cultural a qual esconde não só ignorância, mas também frustração sexual e raiva suprimida.

Joe Alwyn e Stacy Martin também têm seus momentos como os filhos do antagonista, mas uma Felicity Jones, lamentavelmente ignorada em termos de vitórias nas premiações, faz de Erzsébet uma mulher valente, com vasto conhecimento linguístico e cultural, a qual, surgindo em cena apenas a partir da metade da produção, domina cada uma de suas cenas. O olhar de Jones exibe uma variedade de emoções, da satisfação à fúria, da sensualidade à introspecção, e tudo culmina numa poderosíssima cena envolvendo esta, Pearce e a família do antagonista.
Coroado por uma conclusão arrepiante envolvendo a busca por certo personagem e um epílogo apropriado, O Brutalista é uma obra prima moderna a qual fez por merecer sua ambição de achar um lugar entre os grandes. É um épico que honra a tradição esmerada por cineastas tais como William Wyler, Akira Kurosawa e David Lean, conseguindo com louvor um lugar entre estes.
Observação: A revelação de que houve uso de Inteligência Artificial para auxiliar os atores a pronunciarem algumas palavras do Húngaro (sendo que a produção é majoritariamente falada em inglês) e também para montar uma apresentação arquitetônica do epílogo não afeta de forma alguma a percepção sobre o projeto. Em ambos os casos é apenas uma ferramenta para que a visão de Corbet e dos artistas envolvidos se concretize, com nada sendo gerado do zero a partir desta.
Confira o trailer de O Brutalista:

Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.