Longa de RaMell Ross, Nickel Boys, é a grande surpresa na reta final das premiações.
Para muitos é estranho alguém ser fã de filmes excessivamente dramáticos. Ora, o entretenimento muitas vezes é vinculado a gêneros os quais possam soar escapistas, e portanto, ação ou comédia podem ser populares neste sentido. Porém, algumas pessoas percebem no sentimento de miséria e lamentação uma oportunidade de reflexão e de estabelecer conexões com a natureza humana.
Pois sendo um grande fã de Yasujiro Ozu e de Cinema Novo Brasileiro, sou um apreciador de um drama dos pesados. Ao saber que um dos indicados ao Oscar de Melhor filme da cerimônia de 2025 era um drama envolvendo rapazes negros num reformatório, minha curiosidade logo despertou. Filmes de ambiente prisional (sejamos sinceros) são volta e meia cenários propícios não só para o público identificar nas desventuras dos personagens o pior da humanidade como redenção, empatia e coragem. Assim nasceram grandes filmes tais como Expresso da Meia Noite, Um Sonho de Liberdade, Carandiru e Pixote.

Meu temor com Nickel Boys veio quando alguém falou que ele é filmado inteiro em primeira pessoa. Modismos modernos podem resultar em problemas justificados com o argumento de “intenção”. Por sorte, o filme, dirigido e coescrito por RaMell Ross justifica suas escolhas com sabedoria desde o primeiro quadro. Rodado com o aspecto 4×3, o qual prioriza verticalidade com uma tela estreita, o longa, cuja história retrata dois jovens confinados em um reformatório em plena era dos direitos civis, estabelece um mundo em que tudo parece ser grandioso e rico em texturas.
As composições do diretor sempre trazem elementos interessantes preenchendo as alturas da tela, explorando com isso o design de produção e recriação de época. As tomadas as quais utilizam apenas um ator são complementadas por ambientações interessantes e os movimentos os quais transitam de um ator para outro têm elegância e fluidez. O uso de reflexos também é inteligente, em especial na tomada a qual traz os dois protagonistas num momento de camaradagem afirmada. A inteligência de Ross com seus recursos é tanta que o uso de câmera trêmula é mínimo ao longo da produção, sendo reservado apenas para quando pertinente.

Já a fotografia, primorosa, traz infinitas fontes de luz e diversidade de cores em Nickel Boys. O uso do amarelo exaltado para os momentos de calmaria contrasta quando o azul escuro e o marrom vêm para estabelecer tensão, tal como na primeira cena de castigo no reformatório. O uso de mixagem de som vem para despertar o terror pelo sugestivo. Raramente vemos a violência se consumar, porém cada som ambiente tem sua potência para abalar qualquer sensação de estabilidade.
O trabalho de edição também é um grande destaque, por sempre cortar para os ângulos apropriados, nos momentos certos. Os planos são longos e dão espaço para que os atores, especialmente Aunjanue Ellis-Taylor, exibam tanta expressividade quanto a fotografia, com a edição jamais se sobrepondo a estes. O uso de recursos extra-filme (montagens com cenas de Sidney Poitier ou reportagens por exemplo) vêm com bom senso, sem soar como modernidade vazia ou facilitação.

Mas, no fim das contas, a grande surpresa de Nickel Boys está no roteiro. Amparado por personagens inteligentes e intensos, o filme traz diversos momentos de reflexões pertinentes e surpresas vindas da complexidade de emoções dos personagens. A avó não está em cena para apenas ser uma figura de autoridade e, sim, pra ser tanto uma fonte de amor quanto sabedoria e orientação. A diferença de personalidades dos dois amigos não é uma mera raiz de conflitos quando conveniente, mas de diversidade de pensamentos e de compartilhamento de forças.
A sugestividade na apresentação de eventos, a qual leva a muitos eventos que precisam de reflexão também do público, vai na contramão dos roteiros modernos, os quais insistem em mastigar todo o tipo de informação possível para não deixar ninguém perdido. Não existe verbalização desnecessária aqui, não existe exposição descabida. Cada fala e cada evento são apresentados da maneira mais inteligente e pungente, exigindo investimento emocional e intelectual os quais são fartamente recompensados.
Fica o desapontamento de que um filme belíssimo como Nickel Boys ficou restrito às categorias de Melhor Filme e Roteiro no Oscar, sendo que em outras muito importantes passou em branco. Os melhores dramas lidam não só com a tristeza e com o fundo do poço da humanidade, mas sim com os momentos de triunfo, catarse e com o estímulo do debate. Nickel Boys, com isso, certamente é uma grande adição ao subgênero dos dramas prisionais.
Confira o trailer de Nickel Boys:

Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.