Longa britânico-irlandês, Lola, faz mistureba de fórmulas cansadas.
No melhor filme hollywoodiano de 2023, Ferrari, de Michael Mann, há também uma das melhores frases ditas por um personagem cinematográfico: “Quando algo funciona melhor, geralmente é mais bonito para os olhos”. Na época clássica do cinema, tal afirmação parecia lugar comum. Clássicos tais como Casablanca ou Os Sete Samurais não eram apenas tematicamente pertinentes, mas visualmente idealizados com esmero e cuidado por seus realizadores.
E nem adianta usar o papo de “e quando o filme é só entretenimento?”, pois a obra prima de Akira Kurosawa é, acima de tudo, uma aventura, a qual posteriormente foi incorporada em outros filmes de entretenimento tais como Sete Homens e um Destino. Artistas tais como Kurosawa, Lau Kar-Leung e David Lean eram especialistas em cinema de entretenimento com valor estético. Karate Kid, de 1984, não conseguiu o reconhecimento atemporal que tem apenas por seu charme, mas por conta de uma direção extremamente cuidadosa do grande John G. Avildsen. Para Andrew Legge, diretor deste Lola, nada disso se aplica.
No longa, situado na década de 30, duas irmãs, Thomasina (Emma Appleton) e Martha (Stefanie Martini), deslumbram-se com uma invenção da primeira: uma máquina capaz de coletar sinais de som e vídeo do futuro, a qual estas nomeiam “Lola” em homenagem à sua mãe. Inicialmente utilizando a criação para ouvir música e ver filmes realizados eras posteriormente, as irmãs decidem usá-la para impedir a Segunda Guerra Mundial de estender-se.
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O problema é quando, além de os artistas favoritos destas desaparecerem, a guerra acaba tomando novas dimensões, com os nazistas ocupando territórios inesperados. Trata-se de uma trama com potencial no papel. O problema começa quando a premissa transforma-se em um roteiro e este, realizado a quatro mãos, se atrapalha completamente na caracterização e no desenvolvimento.
Primeiro, as duas irmãs enquanto personagens são clichês ambulantes: uma é a gênia sem tato social e cheia de “irreverência” (ou tentativa de falas humoradas que soam apenas irritantes) e a outra é o estereótipo da menina sonhadora. Claro que o roteiro, para mostrar que esta é à frente de seu tempo e sociedade, vai escolher como suas referências as figuras mais conhecidas entre aqueles que querem se mostrar diferentões: Bowie, Kubrick…
As interações entre estas são cheias de diálogos metidos a espertinhos, com direito a referências sexuais e citações vazias sem que nada pareça com pontos de vistas interessantes. Pior que isso só as interações destas com outros personagens. Claro, sendo este um filme o qual abraça qualquer facilitação para economizar orçamento ou esforço criativo, este idiotiza os personagens masculinos ao passo que tenta racionalizar até hábitos urinários das protagonistas.
Segundo, há um excesso de verbalização. A cada cinco minutos a personagem da irmã gênia vai vir com uma overdose de exposição seja sobre o novo contexto da narrativa, sobre algum mecanismo da máquina-título ou sobre o que precisam fazer.
O motivo para o filme dar uma banana para o conceito de “Mostre, não diga” é óbvio: trata-se de um dos filmes mais esteticamente desagradáveis a serem lançados comercialmente em 2024. Adotando a exausta fórmula do “Found footage”, Lola é feito por uma pessoa a qual provavelmente nunca viu um filme em preto e branco na vida e mergulha o próprio num sem fim de escuridão, desorganização visual, inexistência de posicionamento de atores (blocking) e movimentação inquieta.
O caos visual é digno de uma exposição de terror, feito sob medida para despertar justificativas do tipo “mas esta é a intenção”. O caos é tão incessante que sempre quando há um impasse narrativo, a solução encontrada pelo diretor é o fade out (“apagamento de cena”) súbito, deixando o público na escuridão absoluta tanto estética quanto narrativamente.
Parecendo interminável em seus 79 minutos, Lola culmina num terceiro ato repleto de reviravoltas e mortes gratuitas as quais são deixadas de lado para abrir espaço para a próxima ação. Pra piorar, a postura das protagonistas com o mundo ao seu redor é além de condescendente, extremamente egoísta: de alianças duvidosas ao sacrifício de terceiros, as duas vão de estereótipos baratos ao mau-caratismo com a desculpa do “amor entre irmãs”.
Tendo ao menos uma trilha sonora decente e atuações apropriadas, Lola é um projeto autocongratulatório, cheio de tentativas de demonstração de genialidade. Pena que, além de um roteiro atrapalhado, aparentemente este foi exibido em insulfilm em exibições teste. Na próxima, usem um saco de lixo.
Sobre o Festival Filmes Incríveis:
A partir de 1º de Agosto o REAG Belas Artes (SP) será o centro de uma volta ao mundo em produções cinematográficas de 20 países que formam a seleção do Festival Filmes Incríveis do Belas Artes Grupo. Todos são inéditos no circuito brasileiro, e apresentam as novas obras de cineastas renomados, como o brasileiro Karim Aïnouz e o cambojano Rithy Pan, além de um longa do polonês Krzysztof Kieslowski. O festival acontece até 14 de agosto e é patrocinado pelo Desenvolve São Paulo, Secretaria do Estado de São Paulo e o Ministério da Cultura.
Quando: 1 a 14 de Agosto
Onde: REAG Belas Artes (R. da Consolação, 2423 – Consolação/SP)
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.