Inverno em Paris, filme escrito e dirigido por Christophe Honoré, toma decisões errôneas de direção e imperdoáveis de roteiro.
Em 2023, um dos maiores eventos foi a greve de roteiristas. Tratava-se de uma forma de tentar assegurar direitos perante a ameaça da Inteligência Artificial. Movimento extremamente compreensível, pois a profissão é talvez a mais desvalorizada no audiovisual, e isso independe de orçamentos e escala de produção.
Infelizmente, os estúdios, produtores e realizadores, a partir da década passada, tornaram-se obcecados com grandes conceitos, temas e ideias. Movimentos voltados ao engajamento de causas sociais levaram à necessidade de trazer temas relevantes e contemporâneos. Esperava-se que os criadores usassem a oportunidade para trazer mais dimensão a figuras segregadas a partir de boas histórias.
O que aconteceu, todavia, foi que estes passaram a achar que apenas ter figuras representativas e temas edificantes é o bastante para fazerem bons filmes. Isso nos traz a Inverno em Paris. Escrito e dirigido por Christophe Honoré, este produto (a palavra é essa) do cinema francês de autor se esbalda, com o cidadão recusando-se a chamar um roteirista profissional e achando que domina todos os temas possíveis no bingo do instagram do jovem antenado. Saúde mental, neuro divergência e diversidade sexual, além de personagens os quais sempre discutem temas relevantes tais como capitalismo, mas que no dia seguinte não têm a menor preocupação com trabalho ou com o horário que seu despertador vai tocar.
A trama de Inverno em Paris tem como protagonista Lucas (Paul Kircher), um adolescente que entra em crise após a perda do pai em circunstâncias as quais permanecerão um mistério. Enquanto deixa sua mãe sofredora (Juliette Binoche) preocupada e seu irmão mais velho Quentin (Vincent Lacoste) irritado, o garoto passa por diversas desventuras ao procurar por estabilidade emocional.
O grande erro da narrativa de Inverno em Paris é a caracterização. Honoré frisa apenas dois aspectos esperando automaticamente que o espectador simpatize com o personagem: que este é um neuro divergente e homossexual (e com isso haverá um monte de cenas de humor espertinho envolvendo conversas sexuais deste com outros homens). Estes são, de fato, os únicos elementos com os quais o roteirista e diretor busca gerar empatia, afinal ninguém que vai assistir a este filme vai querer sentir-se segregador.
Mas, isso não muda o fato de que se trata de uma estratégia cínica, ainda porque as outras características do personagem não só falham em nos aproximar de Lucas como na realidade geram antipatia completa. O garoto é mimado, egoísta e inconsequente do começo ao fim, jamais demonstrando evolução ou desejo de melhorar. Se estas características fossem associadas a um personagem fora dos espectros atípicos pode ter certeza que a produção teria tido uma quantidade de críticas negativas imensamente maior.
A mediocridade do roteiro é tanta que mantém o caráter duvidoso do garoto até os últimos segundos, buscando uma tentativa de final água com açúcar com direito a musiquinha de violão genérica e todos os coadjuvantes olhando com cara de “meu Deus, como este garoto é um gênio e eu nunca havia notado?”. Coadjuvantes, aliás, que não ganham nenhum tipo de substância também: Binoche interpreta a mãe sofredora e Lacoste o irmão emburrado, e isso só muda quando é conveniente para o roteiro.
A verdade é que os temas frisados de saúde mental, descoberta sexual e crise familiar, os quais Honoré trata como se fosse um grande perito, já foram explorados de forma infinitamente mais madura há mais de quarenta anos em Gente Como a Gente, pelas mãos de um certo roteirista chamado Alvin Sargent (o qual nos deu a alegria de ter escrito o roteiro de Homem-Aranha 2, “apenas” um dos maiores filmes de herói de todos os tempos) e de um Robert Redford na direção.
Falando em direção, Honoré deveria beijar o chão por onde o diretor de fotografia Rémy Chevrin pisa, pois as cores e paletas trazidas pelo último são muito mais dignas de nota do que os movimentos de câmera abilolados do cineasta. Não conseguindo manter uma composição por mais que três segundos sem começar a repentinamente sacudir sua câmera, Honoré usa e abusa de tremeliques e movimentos descabidos os quais desnorteiam o espectador e desperdiçam as belas cores da fotografia e até as tentativas desesperadas do elenco de despertar algum tipo de emoção.
Claro, muitos vão dizer “mas isso é de propósito para frisar o caos sentido pelos personagens”, porém isso não me importa: o argumento de intencionalidade sempre pode servir para fazer tudo parecer brilhante. E brilhante, no que diz respeito a Inverno em Paris, é um adjetivo o qual só vai ser usado para descrever o letreiro de “saída” quando finalmente os créditos subirem.
Confira o trailer de Inverno em Paris:
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.