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Furiosa | Filme acerta no esperado e erra onde não deveria

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Prelúdio de Estrada da Fúria, Furiosa abandona a simplicidade cativante e abraça a morosidade da história de origem.

Quando escrevi sobre Fúria Primitiva, falei sobre como a vida de artistas tem sido difícil. Visionário inquestionável, George Miller tem uma carreira riquíssima a qual sempre aplaudi: versátil, tem em seu currículo os Mad Max com Mel Gibson, O Óleo de Lorenzo, As Bruxas de Eastwick, Babe: O Porquinho Atrapalhado na Cidade e, claro, Estrada da Fúria.

Não, não me esqueci do excelente Happy Feet e, por sinal, orgulho-me de não ter sido cooptado pela chatice da era Trump a qual transformou este de um dos filmes infantis mais queridos de uma época frutífera destes a um aparente “ofensor da moral e dos bons costumes”. É sério, no fim dos anos 2000 ninguém falaria mal deste filme, e nos 2020 a chuva de comentários nocivos sobre ele é de um reacionarismo assustador. Fato é que jogaram o pinguim debaixo do tapete e abraçaram o quarto exemplar de Mad Max como uma obra prima de ação, merecidamente. 

O sucesso de bilheteria, crítica e premiações tornou inevitável a continuidade do universo originado em 1979, e a relevância que a Imperatriz Furiosa, interpretada por Charlize Theron, obteve, tornaram um filme solo da personagem uma questão de tempo. Sendo o diretor ambicioso que é, este precisa de verba pra financiar seus projetos (tais como o recente Era uma vez um Gênio), então fazer este trabalho por demanda de estúdio é de um dia comum. Nove anos depois surge Furiosa: Uma Saga Mad Max, retorno de Miller a este universo, o qual sempre primou pela simplicidade narrativa, abraçando o dinamismo das imagens em detrimento das pretensões desnecessárias.

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Na história, Furiosa (enquanto criança interpretada por Alyla Browne e jovem adulta por Anya Taylor Joy) é raptada pela horda liderada por Dementus (Chris Hemsworth) após ter sua mãe morta a mando deste. Em meio a conflitos e negociatas com a cidadela liderada por um certo Immortan Joe (Lachy Hulme), a personagem busca por meios de vingar-se de seus raptores.

Se Estrada da Fúria, com poucos diálogos e uma tremenda força imagética e rítmica nos apresentava a um mundo de interações e personagens ricos, Furiosa abraça a fórmula Marvel de histórias de origem genéricas. Estão lá a protagonista infantilizada (não ironicamente uma das falas desta é, na maior seriedade do mundo: “quero minha infância de volta”), a qual faz a história andar logo após uma decisão estúpida (basicamente seu rapto acontece apenas por esta fazer a morte de sua mãe ser em vão, vocês entenderão vendo), o vilão abobalhado (com Chris Hemsworth, ator capacitado e carismático, pela milésima vez fazendo este tipo de papel), as facilitações de roteiro as quais possibilitam que a protagonista faça algo de relevante apenas após 70 minutos de filme (juro, chequei o relógio na hora) e as referências gratuitas.

Verdade seja dita, o George Miller diretor, por mais que jamais alcance a inventividade de outrora nas cenas de ação (e o uso óbvio de fundo verde na perseguição principal escancara isso), faz um trabalho apropriado aqui em termos de organização visual. As tomadas organizam metodicamente os atores e seus props além de darem destaque à direção de arte. Se a narrativa mostra-se enfadonha, as soluções visuais do diretor são um pequeno alento, especialmente nas tomadas dentro do covil de Immortan Joe.

Furiosa



Infelizmente, Furiosa: Uma Saga Mad Max mete os pés pelas mãos ao rodear cenas esteticamente bem articuladas com convenções irritantes do roteiro, as quais primam pela redundância. O senso de progressão é quase inexistente, com a personagem título raras vezes obtendo conquista significativa (e sua relação súbita com o motorista Pre Jack cria a expectativa de um desenvolvimento desta em conhecimento e habilidade, frustrando ao rapidamente fazer com que este diga “você está livre”), e se a heroína não demonstra crescimento, o vilão menos ainda, com a dinâmica deste com Immortan Joe (emburrecido pelas decisões dos roteiristas) tornando-o cada vez mais fácil de ser derrotado não por causa da heroína.

Se a insistência de Furiosa em largar a diversão e buscar por uma narrativa supostamente épica irrita tanto pela unidimensionalidade das relações quanto pela falta de entrega na ação, infelizmente a escolha de Anya Taylor-Joy como protagonista é o que relega a produção a mero produto de seu tempo. Atriz talentosa, porém cujo sucesso veio de forma rápida demais, esta foi convocada por ser basicamente a atriz mais procurada do momento, e não entrega de forma alguma a visceralidade e seriedade as quais eram tão caras a Charlize Theron que, não por acaso, é vista como uma das mais dedicadas de Hollywood. 

Estando sempre com seus longos cabelos à disposição (sendo as cenas desta de cabeça raspada tanto filmadas em maior parte de costas ou com o rosto tampado, escancarando também a inserção digital destas com o rosto revelado) e nunca parecendo mais estar olhando para um fotógrafo de ensaio do que para um mundo em devastação, a atriz faz lembrar do curioso caso daquela que recentemente afirmou que recusa-se a raspar a cabeça pra “não perder contratos publicitários”. Infelizmente a estética do herói, outra herança Marvelística, fala mais alto do que a força da personagem.



No fim das contas, mais do que mero produto de estúdio, Furiosa denota novamente como os grandes estúdios veem seu público alvo como infantilizado. A personagem ganhou carinho ao ser apresentada como uma pessoa a qual ousou sair de uma existência opressiva para tentar uma missão a qual poderia resultar ou em glória ou em suicídio. Aqui, esta infelizmente vira coadjuvante da própria história, contando com as facilitações e as convenções as quais acabam a alçando ao heroísmo autocongratulatório. 

Em um momento celebrava-se o valor de não conformar-se com o status quo e crescer junto com seus companheiros rumo a um objetivo benevolente (Max, as noivas e Nux tinham suas histórias particulares fortalecidas graças ao senso de coletividade trazido pela personagem).

Agora, ao passar duas horas e meia tentando retratar Furiosa como uma super-heroína dobradora de roteiro e seus algozes como tapados incorrigíveis, este exemplar não percebe justamente que ao abraçar a chatice das “sagas”, acaba apenas sendo um passatempo dos mais genéricos. O fim da picada aqui vem tanto nos copia e cola de trechos da trilha do antecessor na música de Tom Holkenborg em vez de criações originais quanto na exibição das cenas daquela obra de arte nos créditos. Muito obrigado, filme, por me dizer “parabéns por ter gasto seu tempo precioso com isso quando poderia estar vendo algo melhor”. 

Furiosa: Uma Saga Mad Max – Trailer

Furiosa – Uma Saga Mad Max

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