No desespero da urgência, drama Éramos Crianças mostra-se experiência anestesiante.
A exploração do trauma de juventude é um tema sempre explorado no cinema. Nas últimas duas décadas a Warner lançou sucessos tais como Sobre Meninos e Lobos e a duologia It, os quais, mesmo seguindo estilos e gêneros distintos, lidam com eventos devastadores os quais refletem-se nas trajetórias de seus participantes/vítimas em sua idade adulta.
O italiano “Éramos Crianças”, de Marco Martami, vem com esta proposta: com roteiro do diretor, ao lado de Massimiliano Bruno, a trama tem como foco justamente um evento traumático e as repercussões deste na vida adulta de seus personagens, neste caso um grupo de adolescentes que convertem-se em adultos com amarguras e ansiedades.
A narrativa, então, alterna entre passado, na adolescência do grupo, e presente para desenrolar-se e mostrar como as situações enfrentadas afetaram seus relacionamentos, pensamentos e suas atitudes enquanto adultos tipicamente contemporâneos, ainda que lotados em ambientes vistosos, proporcionados pelo ótimo design de produção e locações.
Ambientação por sinal é um ponto alto, proporcionado por uma direção de Martami a qual prioriza espalhar elementos pelo frame de 2.35:1. Ainda que a edição corte de forma intensa (mais sobre isso a seguir), os enquadramentos do diretor são em boa parte elegantes e grandiosos em sua extensão, com destaque imediato para a sequência situada dentro de uma delegacia nos primeiros minutos de projeção.
Entretanto, a narrativa busca seguir a analogia de Bilbo Bolseiro sobre manteiga espalhada a exaustão num pedaço grande demais de pão, usando de conversas pouco interessantes (em que o óbvio e expositivo são a regra), eventos simples repetidos e retratados com intensidade mesmo quando mundanos e personagens pouquíssimo memoráveis.
A estratégia da edição frenética e intensa de modo a trazer urgência a uma narrativa sem grande brilho perde sua força rapidamente, e não há o que a ambição de um diretor promissor, porém como um mundo de aprendizado pela frente possa fazer para salvar.
Trata-se de uma extensão simplista e simplória do conceito de “Continuidade intensificada”, em Éramos Crianças tudo parece soar intenso, anestesiando a experiência ao, paradoxalmente, remover o efeito do que poderia ser memorável. Falta entender que os grandes apenas alcançaram seus feitos por darem espaço à simplicidade e ao silêncio de modo a dar o choque necessário ao que se pede.
Não falta oportunidade a Martami para estudar, e como este mostra-se interessado pelo imaginário juvenil em Éramos Crianças, recomenda-se uma visita para o clássico infantil As Aventuras de Pinóquio de 1972. Curioso que a contemplação venha do filme de crianças em contraponto ao histrionismo de uma produção aparentemente adulta, mas é o mundo no qual vivemos.
Sinopse de Éramos Crianças:
Em uma vila na costa calabresa, um homem de trinta anos é preso por ameaçar um policial com uma faca. Durante seu interrogatório, as histórias de quatro amigos de infância, todos traumatizados por um evento sangrento que presenciaram quando crianças, se entrelaçam.
Um deles envia uma mensagem revelando sua intenção de voltar à vila para se vingar. Os amigos deixam suas vidas para encontrá-lo e impedir que cometa uma loucura. Ao chegarem, percebem que precisam confrontar o trauma que transformou suas vidas em um inferno. Éramos Crianças é uma história de amizade, vidas interrompidas e uma dolorosa contagem regressiva de vinte anos para uma vingança inevitável.
19ª Edição do Festival de Cinema Italiano no Brasil:
O evento, que já faz parte do calendário brasileiro há 19 anos, começa no dia 7 de novembro. O Festival, mais uma vez, estará presente em todo o Brasil, e dessa vez levará filmes para mais de 70 cidades de todas as regiões do país. Além disso, todos os longas estarão disponíveis em formato online e poderão ser vistos no site do Festival.
Mais informações em: https://festivalcinemaitaliano.com/
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.