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Emilia Perez | Filme tem potencial para ser o novo ponto baixo do Oscar

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Produção francesa sobre cartéis e transexualidade, Emilia Perez, só passa menos vergonha do que seus defensores.


Temporadas de premiação são um prato cheio para controvérsias, mas raramente há uma polêmica tal como a vitória de Crash: No Limite em 2006. Desbancando o favorito O Segredo de Brokeback Mountain, o qual confirmou-se como um jovem clássico quase vinte anos depois, tratava-se de um filme que vendia-se como preocupado com causas sociais, porém não só lidava de forma estereotipada com os segmentos fragilizados os quais dizia querer defender como trazia algumas das soluções visuais e escritas mais ridículas utilizadas por um filme. 

Quem viu a cena do tiro a qual encapava o poster ou a transformação do personagem de Matt Dillon de um abusador canalha pra um salvador imaculado não consegue esquecer do desastre representado por este longa. Mesmo não tendo ainda visto todos os vencedores do Oscar de Melhor Filme, mas digo sem pensar duas vezes que Crash foi o pior da História. E, ao que tudo indica, 2025 vai trazer um novo Crash para lembrarmos eternamente. 

O musical Emilia Perez gerou estardalhaço em festivais, ganhou prêmios principais no Globo de Ouro e vem com grande campanha para os prêmios principais, parecendo a opção de consenso de votantes. O longa, situado no México, retrata uma líder de cartel, a personagem título no caso (Karla Sofia Gascón), a qual basicamente sequestra a advogada Rita (Zoe Saldaña) para ajudá-la a propiciar seu tratamento de redesignação sexual. 

As coisas atrapalham-se, o cartel vai abaixo e Emilia consegue incidentalmente as condições para desaparecer e fazer sua redesignação completamente, com sua esposa (Selena Gomez) tendo que cuidar dos filhos sozinha. Um período depois, Emilia e Rita reencontram-se e a segunda passa (do nada) a ser sua confidente e amiga, ajudando a transformar os recursos da primeira em uma ONG para busca de vítimas de cartéis criminosos. Enquanto Emilia finge ser uma tia de seus filhos, sua agora ex-esposa busca reerguer sua vida amorosa.



Escrito e dirigido por Jacques Audiard, Emilia Perez conta com apenas um aspecto positivo: a atuação de Zoe Saldaña. Cantando apropriadamente, exibindo extrema expressividade corporal e em seu rosto e mostrando uma humanidade a qual o roteiro insiste em esquematizar, a atriz, já dada como favorita para os prêmios de atriz coadjuvante, mostra por que foi uma escolha óbvia nas últimas décadas para encabeçar blockbusters tais como Guardiões da Galáxia, Star Trek e Avatar. 

Sobre o restante do elenco, a história é outra. Felicitações por ser uma atriz trans cujo talento está sendo reconhecido à parte (e é muito importante que o segmento transgênero continue recebendo visibilidade e oportunidades), a atuação de Karla Sofia Gascón mostra-se no mínimo irregular. Se os momentos de vulnerabilidade desta já caracterizada como mulher funcionam, sua voz ao cantar é desagradável aos ouvidos e as cenas desta em sua forma “masculina” ao início são vergonhosas (destaque ao momento “vilão da Disney” desta quando canta “No me falta… MATAR!”), com um timbre de voz caricato e expressões de vilão genérico. 

Mas, em termos de ruindade (e a maneira estereotipada do longa de retratar quem jura que vai exaltar leva a uma caracterização tão ridícula de vilão bigodudo para um personagem que só aos créditos descobri que seu ator é o geralmente competente Edgar Ramirez), quem vai na total oposta direção em relação a Saldaña é Selena Gomez. Trocando nuance por berros e falando o espanhol mais macarrônico já retratado, Gomez abraça com força o estereótipo da megera escandalosa e, caso seja indicada a qualquer coisa que não seja o Framboesa de Ouro, é porque o mundo está tão saudável quanto a mente de seguidor da Maira Cardi.  

O roteiro demonstra a sensibilidade e a consciência social de Rambo 5 para retratar os cartéis mexicanos, reduzindo vítimas a figuras planas e criminosos a caricaturas ambulantes. A transformação de um cartel criminoso a uma ONG benevolente também se faz de forma súbita e sem muita explicação, apenas forçando uma metáfora envolvendo a transição da protagonista. 



Já no que diz respeito a transgeneridade, Emilia Perez passa vergonha até comparado a filmes de cinquenta anos (Um Dia de Cão tinha mais sensiblidade em 1975). Usando termos tais como “mudança de sexo” e parecendo um moleque da quinta série ao mostrar uma clínica de redesignações (os versos enfatizam tanto as palavras “PÊNIS!” e “VAGINA!” que parecem ser escritas por alguém que está prestes a ser mandado para a sala da direção), a produção trata mulheres trans como seres os quais “costumavam ser homens” e cujo “cheiro remete a homem” (sendo que de cara a protagonista afirma ter passado meses fazendo terapia hormonal antes de sua transição). Emilia Perez explora causas sociais importantes para ganhar visibilidade em premiações, de modo também a blindar-se de críticas completamente. 

Pra piorar, como musical a produção continua a tendência de destruição completa do gênero no mainstream. Usando o papo de “realismo” para justificar coreografias porcas, despreparo vocal e mixagem de som rasteira, Emilia Perez traz as atrizes e atores, com exceção de Saldaña, embaraçando-se com gritos e vozes tão agradáveis quanto o som de um cano de escapamento de fusca. 

Se as letras de Wicked não me agradaram por sua obviedade e falta de subtexto, nada se compara ao que é ouvido aqui. As letras não estão lá para realçar expressividade e, sim, para vomitar exposição. Pra piorar, a falta de rimas e versos ritmados (um momento em que uma criança faz uma pausa na hora de cantar “você cheira a coca… COLA!” é um destaque da vergonha alheia) não só doi aos ouvidos, mas tem a justificativa mais absurda possível.



Basicamente, as letras cantadas em espanhol e o roteiro (cujas falas são quase todas em espanhol para elegibilidade em premiações, claro) foram escritas por franceses os quais declararam não saber espanhol. Em resumo, as falas e canções foram escritas em francês e traduzidas no estilo Google Tradutor. 

O cansaço vai me impedir de entrar muito no detalhe do absurdo envolvendo o diretor não ter escalado atores mexicanos (a direção de elenco afirma que “não havia atores bons o bastante”, algo que para brasileiros os quais cresceram com as produções de Roberto Gomez Bolaños, soa como uma piada de mau gosto), mas a direção de Audiard, auxiliada pela péssima fotografia (quando vão parar de usar esse filtro superexposto com azul e amarelo?), faz-se desastrosa. 

Tendo poucos planos amplos os quais são cortados rapidamente, o foco é nos primeiríssimos planos, apelando frequentemente para câmera trêmula (alguém achou que era Michael Mann). Sendo uma produção picareta a qual quer usar minorias como escudo, não faltam momentos de close ups de pessoas com expressão de tristeza, culminando numa literal colagem de rostos num dos números musicais. As coreografias atrapalhadas também não ajudam.

Com uma conclusão corriqueira a qual exalta apenas a burrice galopante dos personagens de quem queriam que sentíssemos empatia, Emilia Perez merece todas as críticas das comunidades latina e trans as quais está recebendo. Só resta torcer para as alas menos hipócritas da indústria darem visibilidade a produções de fato merecedoras tais como A Substância e Ainda Estou Aqui.

Assista ao trailer de Emilia Perez:


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