Indicado a melhor filme estrangeiro, Dias Perfeitos sai vitorioso ao não confrontar ninguém
Na crítica cinematográfica pós 2010, há a tendência de buscar onde tal produção se encaixa num contexto político e sociológico pautado pelo confronto. Isso impede, por vezes, que produções possam ser vistas e aplaudidas por suas propostas dentro de gênero, alçando realizadores à função de construtores sociológicos.
Yorgos Lanthimos aparentemente está proibido de apresentar seu Pobres Criaturas pela comédia que é e Matteo Garrone sofreu críticas ao abraçar a aventura em seu Eu Capitão, com ambos os autores acusados de “Não se aprofundarem” em temas os quais vêm da vontade de quem analisa. Perde-se a ideia de analisar o que é, e analisa-se o que “poderia ter sido”. Eu preferiria, por exemplo, de fato a perspectiva dos nativos Osage em Assassinos da Lua das Flores, mas a realidade é que o filme gira em torno da visão do paspalho pau mandado do tio colono. Dentro disso, trata-se de um bom filme, independentemente da minha vontade.
Eis que o alemão Wim Wenders, em suas observações de rotinas, traz Dias Perfeitos, uma produção japonesa, a qual, abraçada unanimemente pela crítica por méritos reais, foi divulgada por diversos críticos e comentaristas como uma “Obra que desafia” alguma coisa, ou “Uma examinação profunda sobre não sei o que”.
Curiosamente, o mérito desta é justamente lidar com a simplicidade e a beleza no cotidiano de um limpador de banheiros, este que vê paixão em apenas contemplar elementos da natureza, ouvir suas músicas favoritas em fita, jogar jogo da velha com um estranho ou ajudar uma criança perdida a encontrar sua mãe.
Não existe um objetivo ou vilão, não existem comentários sociológicos complexos e, ainda assim, há um mundo de riquezas nesta produção. A começar pelo roteiro, o qual mesmo não se pautando pela escola de três atos, faz um excelente trabalho ao estabelecer a rotina do protagonista, apresentar personagens secundários os quais orbitam a visão de mundo deste (e, dentre estes, mesmo o jovem encarregado que adora resumir suas opiniões a notas de 0 a 10 expressa-se de maneiras interessantes, sendo todos os personagens analíticos a sua forma), e pequenas quebras de dinâmica as quais possam desafiá-la.
Seja um tanque de gasolina vazio ou a chegada inesperada de uma sobrinha, Wenders e seu corroteirista Takuma Takasaki abraçam o tradicional arco do sujeito com determinada visão de mundo tendo que mantê-la perante adversidades (muito utilizado pelos cineastas brasileiros, diga-se de passagem).
Já o Wim Wenders realizador faz-se tão contemplativo quanto o limpador ao usar o aspecto 4:3 (conforme imagem), típico de produções antigas (dentro do cinema japonês destaca-se Yasujiro Ozu como um amante deste), com suas telas estreitas lateralmente, para trabalhar a beleza desde pequenos ambientes até as grandes vias automotivas.
Dias Perfeitos – Trailer
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.