Novo filme de Edward Berger, Conclave, materializa sua humanidade em Ralph Fiennes.
Todo filme tem seu valor. Em meio a tantos textos que escrevo posso dar a impressão de que, caso algum não se encaixe nos valores nestes estabelecidos, não merece ser assistido. Errado. Há espaço para tudo e mesmo os filmes e diretores os quais podem ser definidos como avessos a padrões de qualidade têm sua importância.
Se antes Paul W.S. Anderson podia ser apontado como um Satanás entre os encarregados de blockbusters, o esmero do cidadão mesmo em entregar o produto mais duvidoso possível (os efeitos de maquiagem de Resident Evil, o uso de 3D de Resident Evil 4, o universo estilizado e artesanal de Mortal Kombat, todos filmes ruins com elementos curiosos) agora o leva a ser mais valorizado em meio a tanto enlatado.
A Múmia, a despeito de ser um sucesso de bilheteria colossal em 1999, recebeu críticas mistas e, hoje, é um clássico do gênero aventura, adorado por gerações as quais tiveram que se contentar com metros quadrados de tela verde os quais impediam qualquer tipo de imersão.
Brian Levant, que pode declamar seu crédito de “não tenho nenhum filme com tomate vermelho no Rotten Tomatoes”, é um mestre do cinema “ruim que é bom”: O Pestinha 1 e 2, Os Flintstones (com John Goodman, Rick Moranis e Halle Berry!) e, especialmente, Um Herói de Brinquedo são hoje pérolas adoradas por fãs do mundo inteiro.
Sim, no cinema quanto mais diversidade melhor. Isso me traz a Edward Berger, um diretor o qual conseguiu grande sucesso com o competente, ainda que nada inovador, remake de Nada de Novo no Front. Tratava-se de uma produção a qual, se não se destaca no gênero guerra como tantos outros recentes (Até o Último Homem e 1917 vêm à mente nos últimos anos), tampouco cometia algum equívoco significativo.
A vitória na categoria de filme estrangeiro o levou às graças de Hollywood e, assim, agora temos Conclave. O filme, roteirizado por Peter Straughan, um interessado por tramas conspiratórias (o ótimo O Espião que Sabia Demais teve a escrita dele), gira em torno de um cenário no qual o papa morre (não é uma biografia nem inspirado em fatos) e, após isso, o decano Thomas Lawrence (Ralph Fiennes) fica encarregado de organizar o conclave papal onde será votado o novo papa.
Entre os concorrentes ao cargo estão o liberal Aldo Bellini (Stanley Tucci), o moderado Tremblay (John Lithgow), o qual nos primeiros dez minutos identificamos como figura antagônica de Lawrence, e o reacionário Tedesco (Sérgio Castellitto). A partir da disposição de candidatos, o protagonista descobre uma série de situações que podem definir os rumos não só da Igreja Católica, mas da sociedade contemporânea.
Sim, pois a alegoria presente é a dos embates entre extrema direita e liberais (chamar o partido Democrata de esquerda é dose). Em especial Tremblay pode facilmente representar Hilary Clinton ou Joe Biden, o candidato o qual se vende como o menor mal para a esquerda, enquanto Tedesco é obviamente um Trump papal, com direito a discurso xenofóbico num dos momentos chave.
O roteiro de Conclave investe no dialógico, por isso os confrontos presentes vão agradar dependendo do que o público espera. Tratam-se de discussões nas quais relatam-se mais situações e opiniões do que demonstram-se pontos de vista e argumentos. As resoluções também surgem rápidas para dar espaço para novas situações: Se o candidato nigeriano Adeyemi (Lucian Msamati) desponta como um possível vencedor, logo surge algo para colidir com a expectativa alimentada. Tedesco é, de antemão, destacado como um mal a ser combatido, então a busca por viabilidade é o grande dilema pelo qual Lawrence trilha.
Lawrence, por si só, é um protagonista o qual segue a lógica de Os Imperdoáveis, contradizendo-se sobre uma possível busca por viabilidade e poder, entre outras questões pelas quais reluta em abraçar. Straughan não é David Webb Peoples e dificilmente Edward Berger guardou este roteiro por vinte anos até ser o momento certo (veja a história de Clint Eastwood em busca de sua obra prima), então o sentimento de catarse pelas descobertas do decano vai servir mais como catalisador do que uma memória duradoura.
Em Conclave, a direção prioriza, por sua vez, os enquadramentos fechados e close ups, ainda que o frame de 2.39:1 seja perfeito para explorar o riquíssimo design de produção e o belo trabalho de figurino. Alguns dos quadros exploram a profundidade apropriadamente, com destaque para aquele o qual isola Adeyemi em um momento chave.
A benção é que a escolha de elenco em Conclave é valiosa e, mesmo que Tucci, Lithgow ou a veterana Isabella Rossellini tenham pouco material para trabalhar, a expressividade destes não é desperdiçada e não passa batida pelos close ups de Berger.
Ralph Fiennes, presente quase ininterruptamente durante os 120 minutos de produção, é inevitavelmente o destaque. Trazendo um olhar que navega entre o gentil, o cansado, o empático e a raiva reprimida, a qual se materializa pela respiração pesada (a mixagem de som aqui é um destaque). Fiennes é a humanidade que se materializa em detrimento do debate.
Tal barganha pode frustrar o segmento do público acostumado com a dialética de um Paddy Chayefski ou Reginald Rose, mas o roteiro de Straughan e a direção de Berger devem encontrar seu público, especialmente a partir das mensagens progressistas aqui presentes.
O sucesso de uma produção a qual contesta a busca por poder do reacionarismo e do oportunismo pós segunda eleição de Trump já foi consolidado com os números de bilheteria. Vale uma tela grande com som bem equipado caso Conclave mostre-se a sua escolha para apreciação por duas horas.
Conclave estreia nos cinemas amanhã (23) com distribuição da Diamond Films.
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.