Filme iraniano, Café Teerã, tem no carisma dos personagens o melhor veículo para suas mensagens.
Para um cineasta engajado politicamente, pode parecer uma tentação mastigar mensagens em seus filmes. Alguns talentosos caem nessa armadilha, minando o potencial de apreciação a longo prazo de seus projetos. Felizmente, a trajetória do cinema enquanto objeto político e sociológico é tão longa quanto sua criação. Se há quase cem anos o grande Vittorio de Sica criou clássicos atemporais tendo pessoas oprimidas por condições sistêmicas, ainda há outros os quais conseguem utilizar narrativas interessantes como um veículo para suas mensagens.
É o caso de Navid Mihandoust, diretor de Café Teerã. Hoje preso por seu trabalho num documentário sobre uma jornalista ativista de direitos femininos, o diretor iraniano, em seu novo filme, traz um pouco de sua história.
Na trama, Sohrab (Ramin Sayardashti) é um cineasta o qual, após ter passado um período detido, é obrigado a abandonar seus trabalhos. Preso à rotina de administrador de uma cafeteria, o homem recebe a visita de uma atriz chamada Berkeh (Setareh Maleki) e pede para fazer uma performance dentro do espaço. Após aceitar o pedido, este começa a ter diversos problemas tanto em seu casamento quanto com a lei local.
O roteiro não perde tempo para estabelecer os hábitos e personalidade de seu protagonista: a partir de seu estranho companheiro inanimado, há um veículo para que este expresse seus pensamentos e reflexões de forma eloquente e a natureza do objeto escancara uma tragédia pessoal. Seu hábito de editar um filme no qual a figura de seu pai se faz onipresente demonstra tanto a incapacidade deste de abandonar sua profissão quanto seus sentimentos (e ressentimentos) e neuroses.
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A inteligência e bagagem cultural do sujeito (expressa na decoração da cafeteria da qual este cuida) se fazem ainda mais notáveis em suas interações com a igualmente interessante Berkeh. Os traços impulsivos do protagonista também são retratados de forma sutil, em momentos nos quais estes fazem-se ou injustificados (certas interações com a esposa) ou contundentes (as cenas de interrogatório).
Mas o roteiro inteligente, com diálogos sagazes e analíticos, e as belas atuações não se fariam tão evidentes se a direção não fosse igualmente notável. Mihandoust, ainda que dirigindo em poucas locações, faz questão de habitar os cenários e preencher seu quadro de 2.35:1 com inteligência: os planos são razoavelmente longos e os personagens e detalhes de cenário são bem distribuídos no fotograma.
Abraçando um estilo clássico o qual faz jus aos artistas reverenciados pelo protagonista, o diretor prioriza a expressão corporal de seus atores com seus planos espaçosos. Trata-se de um uso de scope inteligente e fluído, pois as ambientações de Café Teerã parecem sempre ter vida e elementos interessantes para serem vistos.
A combinação destes elementos facilita a expressão de mensagens da produção, e são diversas, desde alegorias sobre os direitos femininos até direitos políticos universais. O diferencial do filme de Mihandoust é que as imagens e sons falam por si, e ainda que as situações denunciadas pelo diretor melhorem com o tempo, a força dos personagens de Café Teerã prevalecerá.
Sinopse de Café Teerã:
Um sonho paroxístico emerge das profundezas da filmografia de Kieslowski e desperta o condenado diretor iraniano Sohrab que, proibido de fazer filmes, passa os dias num café do bairro. No entanto, o pedido de uma jovem para apresentar o seu desempenho na loja significará novos problemas, tanto para o seu já conturbado casamento como para as suas relações tensas com as autoridades que o pressionam a fornecer informações “suculentas” se quiser aliviar a sua situação.
Sobre o Festival Filmes Incríveis:
A partir de 1º de Agosto o REAG Belas Artes (SP) será o centro de uma volta ao mundo em produções cinematográficas de 20 países que formam a seleção do Festival Filmes Incríveis do Belas Artes Grupo. Todos são inéditos no circuito brasileiro, e apresentam as novas obras de cineastas renomados, como o brasileiro Karim Aïnouz e o cambojano Rithy Pan, além de um longa do polonês Krzysztof Kieslowski. O festival acontece até 14 de agosto e é patrocinado pelo Desenvolve São Paulo, Secretaria do Estado de São Paulo e o Ministério da Cultura.
Quando: 1 a 14 de Agosto
Onde: REAG Belas Artes (R. da Consolação, 2423 – Consolação)
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.