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Armadilha | Suspense moderno mais divertido que você vai ver

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Shyamalan é, mais uma vez, o antídoto para o tédio (para bem ou para o mal) com Armadilha, disponível no Max.


Entre as várias conversas de redação, as mais prazerosas entre as do Tópico 42 são envolvendo o grande M. Night Shyamalan. Em quase trinta anos de carreira, este homem nunca gerou um minuto de tédio sequer. Ele logo no começo da carreira conseguiu seus projetos revelação sendo bancados pelo Mickey Mouse, com uma quadrilogia de sucessos dignos de respeito: dos incontestáveis sucessos O Sexto Sentido, Corpo Fechado e Sinais até o, antes polêmico e agora apreciado, A Vila, o dinheiro veio como água. 

Após isso, claro, houve uma montanha russa de emoções com direito ao “terrir” Fim dos Tempos, a detestada adaptação O Último Mestre do Ar (tenho um sem fim de argumentos a favor deste filme, mas essa não é a hora), o filme que fez chacota da família Smith muito antes de… todos os meios de comunicação, Depois da Terra, os extremamente bem sucedidos A Visita e Fragmentado, entre outros. Shyamalan desperta fortes reações, sejam as boas ou as ruins. 

Durante seus anos de queda entre a crítica especializada, início da década de 2010 para ser mais exato, houve críticas feitas de extrema má fé, com destaque a aquela sobre O Último Mestre do Ar a qual gratuitamente o chamavam de “idiota”. Para alguns estadunidenses da velha guarda, talvez, o sucesso prolongado do cineasta indiano na terra a qual viveu um apartheid, tenha sido um potencializador no ódio. 

De todo modo, Armadilha é outro filme o qual desde seu lançamento nos cinemas gera sensações diversas. Quem o defende reconhece neste uma diversão das mais raras, e os desgostosos ainda assim têm muita coisa a dizer sobre as risadas que deram mesmo que não pelas razões esperadas. De minha parte digo que o homem que me faria ir ao cinema mesmo quando decidisse fazer um remake de Cinderela Baiana não me decepcionou nem em agosto do ano passado nem revendo em casa agora. 



Na trama, Cooper (Josh Hartnett), um carinhoso pai de uma garota adolescente (Ariel Donoghue), a leva ao show de uma famosa diva pop (Saleka Shyamalan, sim, acho que após ele ter tido que trabalhar com a dupla Will e Jaden Smith, há um perdão obrigatório para acusações de nepotismo). Ao entrar no show, este descobre que a estrutura montada para receber a artista nada mais é do que uma arapuca para capturar um assassino sádico. 

Vou separar este parágrafo para falar das distinções de Armadilha sem riscos de spoilers, pois quanto menos informação alguém tiver antes de ver o filme, melhor. Primeiramente, a direção de Shyamalan cumpre a tradição de jamais trazer um momento de tédio: o quadro de 1.85:1 é maravilhosamente bem utilizado, com composições sempre verticalizadas. 

Quando há a necessidade de explorar horizontalidade, a câmera faz questão de procurar ângulos nos quais os atores preencham as alturas adequadamente. A conversa envolvendo Cooper e um vendedor de camisetas, em que a câmera navega entre os personagens é um exemplo de como ainda que os quadros sem movimento sejam destaque (e a edição dá o tempo certo para que estes sejam efetivos), quando este se faz presente é justificado.

Na seção com spoilers falarei mais, porém já posso adiantar que o longa segue a tradição de Shyamalan como diretor de atores. Ao longo da carreira, este extraiu as melhores atuações da vida de Mel Gibson e Bruce Willis enquanto fez atores já talentosos brilharem ainda mais, tais como Paul Giamatti e James McAvoy. Aqui, o querido dos anos 2000 Josh Hartnett está entre este panteão ao abraçar diversas faces de seu personagem, além de fisicalidade quando necessário. 



Os coadjuvantes em Armadilha são funcionais: Donoghue se sai bem, a geralmente competente Alison Pill se sai bem, além de a veterana Hayley Mills trazer respeitabilidade à analista do FBI responsável pela caça ao assassino, ainda que a graça do longa resida justamente na investigação do quão falíveis são as arapucas armadas para pegar um sujeito entre 3000. Já Saleka Shyamalan, a qual acaba ganhando bastante destaque no terceiro ato (a porção mais falha de Armadilha), em seu esforço, ao menos parece verossímil se considerarmos o quão artificiais as divas pop dos anos 2020 são.

A fotografia, por sua vez, sempre traz a iluminação mais viva possível, aproveitando o contraste entre a pele dos atores e os ambientes coloridos pelas roupas, cenários, e especialmente os holofotes das cenas de show. As composições com tela dividida organicamente (por exemplo uma que se divide entre o corredor e a sala de segurança do FBI) são os momentos em que Shyamalan se vê autorizado a prolongar a duração destas, acertadamente. 

Já no que diz respeito a humor, Shyamalan traz o mesmo tipo de desconforto hilário o qual virou sua marca registrada desde Fim dos Tempos (o qual só agora as pessoas estão percebendo que foi intencional) e esmerada em A Visita e Fragmentado. As interações exageradas vêm nos momentos certos nos quais há uma sensação de normalidade artificialmente gerada, e, sendo um longa com uma perspectiva única (de novo, mais sobre isso em dois parágrafos a seguir), as oportunidades de humor sádico, ainda que nunca gráfico pois o diretor raramente mostra preferência pela representação da violência enquanto recurso exploratório, são onipresentes aqui.  

Para quem não quer spoilers, Armadilha é um suspense divertidíssimo e com um visual e abordagem os quais você raramente vai ver. É uma produção a qual se diverte a valer explorando brechas de sociopatia a serem adentradas em meio a um show de diva pop.



Vamos para a seção de spoilers. Em poucos minutos descobrimos que o assassino procurado pelo FBI é ninguém menos que o protagonista. Trata-se de um profissional sociopata como raramente retratado pela filmografia do cineasta, o qual não-raramente gosta de ver o lado bom até dos sujeitos mais sombrios (Dave Bautista em Batem à Porta, Samuel L Jackson em Corpo Fechado), e nisso Josh Hartnett tem uma atuação memorável, tendo em vista que nos dois primeiros atos o acompanhamos em suas artimanhas para burlar a polícia e a segurança. 

As tentativas deste de soar como um sujeito bondoso para a equipe de produção do show, o genuíno carinho que este tem pela filha e a fúria e ironia venenosa contida em suas interações são o que coloca Hartnett como muito mais do que o crush esquecido dos anos 2000. E, novamente falando da direção, o uso de 1.85:1 valoriza o close up como poucos filmes modernos, os quais geralmente abusam deste como se fosse a única ferramenta de mise en scene. A expressividade dos atores, em especial de Hartnett (e até os olhos imensos e brilhosos de Saleka têm um papel interessante), e o contraste da pele destes com a iluminação (o uso de vermelho em especial) tem um papel primordial.

Já o roteiro, sim, conta com diversas conveniências, mas ao contrário de inúmeros projetos sérios da leva recente, aqui elas mostram propósito. A forma com a qual o carisma de Cooper burla qualquer tipo de defesa armada pelos mais céticos daquele contexto, além da inteligência do sujeito em evitar ao máximo a diretora interpretada por Mills, pois sabe que esta é a única com preparo para deixá-lo encurralado, são o foco de humor e tensão de Armadilha.

As barreiras físicas ou intuitivas sobre o protagonista, o qual se disfarça de todos os tipos de personagem no maior estilo Prenda-me se for Capaz, são desviadas segurança por um sujeito facilmente inserível como vilão em qualquer produção. Um Nemesis o qual contribui com vontade para encher os bolsos da indústria pop. 

Seria isso uma possível alegoria sobre os esforços de cancelamento moderno? Seria o jogo de gato e rato uma associação entre os esforços da internet e da estrutura moderna para pegar um cidadão entre tantos outros possíveis criminosos? Talvez, mas se argumentos de intencionalidade pouco servem para exaltar uma produção, os 105 minutos de riso, tensão e admiração despertados por Armadilha são mais que o bastante.  

Confira o trailer de Armadilha:


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