Produção brasileira, A Metade de Nós, tem estrutura minimalista e evita o desconforto de tema pesado.
Enquanto temáticas pesadas tendem a ser evitadas pelo cinema comercial para evitar o rótulo de “gatilho”, na cena autoral, especialmente fora do eixo Hollywood, a história é diferente. Se, há quarenta e quatro anos, Gente como a Gente, um estudo sobre uma família lidando com o luto, surgia como um projeto de paixão do maior astro da época além de grande sucesso de bilheteria, hoje é preciso persistir e abraçar os cinemas de rua para que o filme de fato de adulto continue firme e forte. Felizmente no Brasil este persevera.
A Metade de Nós, dirigido por Flavio Botelho, trata do cotidiano de um casal de idosos (Denise Weinberg e Cacá Amaral) após descobrirem a morte de seu único filho. Enquanto a mãe, Francisca, dedica seus dias ao isolamento silencioso e à investigação das circunstâncias da morte do rapaz, Carlos, o pai, decide mudar-se para o apartamento deste, conhecendo no processo o novo vizinho, Hugo (Kelner Macêdo).
Os distanciamentos e pontuais reaproximações do casal guiam a narrativa, a qual tem menos interesse pela jornada destes rumo a um determinado objetivo (Não é, portanto, um suspense investigativo), priorizando o processamento de informações destes.
Para que a abordagem funcione, Botelho chama pouquíssima atenção para si, usando uma câmera discreta, a qual busca enfocar o elenco interagindo com o ambiente, além de pontualmente focar nas falas dos atores com estes em planos os quais destacam seus torsos e detalhes do cenário e dos objetos dispostos. É um cinema contemplativo à moda antiga.
Como um tremendo fã do cinema de drama de Yasujiro Ozu, fiquei extremamente satisfeito com os planos cuidadosos com ambientação, com tempo de enquadramento e com timing de falas. Assim como o mestre japonês, Botelho busca no dia a dia e na progressão do fervor de sentimentos a catarse emocional.
Os atores respondem perfeitamente a este chamado, com Weinberg explorando o estoicismo e seriedade da mãe e Amaral a sensibilidade e carência do pai. Ambos encontram contradições, frustrações e redenções para seus personagens. Já o roteiro, embora breve, é honesto e não subestima o poder de absorção e reflexão de nenhum destes, nem mesmo do cachorro de estimação dos protagonistas.
A diferença aqui para os dramas de Ozu é meramente cultural: se na cultura japonesa, tão acostumada com o resguardo de sentimentos, o ato de entregar-se às lágrimas serve como culminação, para o brasileiro, tão acostumado com a explosão, não resta além de buscar novos caminhos.
Não vão faltar pessoas afirmando “falta de não sei o que” em A Metade de Nós, pois a busca por estímulos, revelações bombásticas ou climaxes emotivos é uma constante na vida da era digital. O que o filme de Botelho entrega carinhosamente é apenas uma representação do esforço admirável de pessoas as quais precisaram passar pela maior traição temporal possível: ter de enterrar um filho.
A Metade de Nós – Trailer
Mesmo trabalhando na área de educação, estuda e escreve sobre cinema desde os treze anos. Mesmo vendo muita coisa fora de Hollywood, não é hater de blockbusters (nunca deixa de ver um Velozes e Furiosos quando lança). Ama também ler e jogar videogame. Apenas evita comédias românticas e livros de auto ajuda.