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A Flor do Buriti | A indecisão é sempre um sofrimento

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O longa A Flor do Buriti é repleto de boas intenções, mas sofre por ver tema como o suficiente


Sempre recomendo analisar os filmes pelo que estes são e não por nossos desejos. Ainda assim, tendo a sentir que tentar agradar a gregos e troianos ficando no meio do caminho nunca é a maior resposta. Documentários são informativos acima de tudo, nobres desafios neste sentido. No Brasil há um histórico extenso com documentários, sendo nossa última indicação ao Oscar vinda de um (Democracia em Vertigem). 

Eduardo Coutinho foi o maior representante do movimento do cinema documentarista brasileiro até sua trágica partida há dez anos e, mesmo não sendo um fã do gênero, aprecio a trajetória deste, cujo ápice veio com Cabra Marcado para Morrer. 

Por isso, encontrei-me num dilema vendo A Flor do Buriti. A ideia do longa de Renée Nader Messora e João Salaviza é ser um semidocumentário. Com isso, há o objetivo de informar sobre a luta dos nativos krahô contra a dominação de fazendeiros e empreiteiros, mas ao mesmo tempo os cineastas escolhem a missão de definir personagens e progressão narrativa.

Renée Nader Messora e João Salaviza em Cannes

Do ponto de vista técnico, o sentimento de imersão funciona quando a dupla de diretores adota uma abordagem tradicional em A Flor do Buriti: quando o frame de 1.66:1 (barras laterais finas as quais deixam a tela ligeiramente alta) retrata a vastidão das florestas e colocam os atores de corpo inteiro interagindo com o cenário, a produção brilha. 

Uma pena que a predileção dos cineastas é por primeiros planos, retratando os atores da barriga pra cima e cobrindo grande parte do frame. Poderia servir para salientar momentos de impacto, porém além do excesso de primeiros planos (o qual acaba relegando cenários e locações para segundo plano), os diretores constantemente pontuam narrações didáticas com personagens olhando para a câmera, claramente esperando perplexidade do público.

A Flor do Buriti

E infelizmente esta antecipação da perplexidade é onde a produção mais falha. A prioridade dos cineastas é escancarar sua mensagem, e não conduzir as emoções do público rumo a esta. A narração extremamente mastigada e os longos monólogos, mesmo que tragam pontos relevantes, acabam por achatar a narrativa. Com isso, não há personagens ainda que a produção insista em não abraçar por completo a estrutura documental: há avatares de mensagens. 

A mensagem é válida, sim, ninguém aqui vai apoiar genocídio indígena. O problema é que se os realizadores optam pelo cinema e, acima de tudo, por uma ficção, ainda que semi, recomendam-se ritos de progressão, de arcos e personalidades. Ficar no meio do caminho é uma decisão muito arriscada e resulta numa produção em constante briga consigo. 

Talvez por isso Coutinho ainda seja o modelo de documentarista maior: Não punha suas necessidades sobre os mundos os quais retratava. O microcosmo de “Cabra” ainda pode ser revisto sem parecer um panfleto de causas dos anos 80. O senso de opressão e comunidade criava figuras instigantes e atemporais. 

A abordagem de A Flor do Buriti é um sintoma das sensibilidades modernas, dos caracteres sobre caráter. Ao moldar um universo de forma panfletária em oposto à riqueza das vidas daquelas pessoas as quais estão em batalha pela sobrevivência há gerações, este (ainda que respeitável) projeto perde a sua força assim que a perplexidade de seu público dissipa-se. 

Sinopse

Em 1940, duas crianças do povo indígena krahô encontram na escuridão da floresta um boi perigosamente perto da sua aldeia. Era o prenúncio de um brutal massacre, perpetrado pelos fazendeiros da região. Em 1969, os filhos dos sobreviventes são coagidos a integrar uma unidade militar durante a ditadura brasileira.

Através dos olhos de uma garota Krahô, A Flor do Buriti revela décadas da história deste povo indígena que vive no norte do Tocantins. Guiados por rituais ancestrais, os Krahô encontram diariamente novas formas de resistência contra os avanços do agronegócio sobre suas terras.

O filme estreia nacionalmente nos cinemas nesta quinta-feira, dia 04 de julho, com distribuição da Embaúba Filmes.


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