A Estrela Cadente

A Estrela Cadente | Filme abraça equipagem moderna com abordagem clássica

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O longa francês, A Estrela Cadente, distribuído pela Pandora Filmes, combina comédia e filme noir e faz uso de novos equipamentos enquanto resgata tradições da era muda. 

Nos meus estudos sobre direção, um grande professor foi o canal Movie Wise. Poucos veículos apresentaram tanto conhecimento e argumentação sobre os conceitos de organização visual (daí minha obsessão posterior com blocking e framing, no caso organização de atores em cena e de outros elementos dentro do enquadramento), e em um de seus melhores vídeos há uma explicação sobre quais são as proporções de tela desejadas.

Há o 2.35:1 (barras em cima em baixo com maior horizontalidade), 1.85:1 (preenchimento lateral e vertical com barras pequenas em cima e embaixo), 1.66:1 (verticalidade com barras discretas na direita e esquerda) e o famoso Academy Ratio, 1.33:1 (barras espessas à direita e esquerda). Em um dos momentos do vídeo, há a orientação de não utilizar o 1.78:1 para um filme, pois trata-se de uma estética televisiva, dado o preenchimento total de tela.

O argumento historicamente faz sentido, porém vem sendo confrontado. O grande expoente recente a bater de frente e, ironicamente ser fartamente elogiado pelo canal, foi Zona de Interesse, o qual faz uso do 1.78:1 em um longa o qual depende inteiramente de direção e enquadramento pra funcionar. Digo inteiramente pois o roteiro daquele longa trazia uma série de repetições falta de estrutura para estabelecer sua mensagem.



A ideia era retratar a monotonia e cotidiano de um ambiente nefasto, no qual o espectador percebe de forma quase subliminar os horrores do holocausto. O diretor Jonathan Glazer, então, decidiu usar a proporção do rotineiro pra reforçar seu ponto.

Após toda essa introdução entra A Estrela Cadente, produção francesa dirigida pelos belgas Dominique Abel e Fiona Gordon, um longa o qual também adota o 1.78:1, ao passo que evoca a linguagem do cinema mudo (ainda que os personagens falem) com uma estrutura de atos bem definida.

Aqui, o ativista Boris (Abel, o diretor), o qual refugia-se como barman, é atacado por um sujeito misterioso com um braço prostético. Após isso, este decide colocar em prática um plano envolvendo um sósia deprimido, Dom (Abel de novo) e terá ajuda de seus companheiros Kayoko (Kaori Ito) e Tim (Philippe Martiz). O maior problema, no entanto, é a busca da desconfiada Fiona (Gordon, a diretora), ex-esposa de Dom, pelo sujeito.

I

nvestindo numa atmosfera a qual mistura melancolia e humor, a produção não demora a deixar clara a importância da linguagem corporal de seus atores. Os planos adotados pelo casal de diretores priorizam a apresentação dos corpos de seus atores sem desfocar a riqueza do design de produção, com isso remetendo à estética do cinema mudo enquanto as ambientações fazem-se tão grandes quanto os “Carlitos” presentes. 

O uso das cores dos ambientes e dos figurinos é meticulosamente escolhido, as tomadas são longas com pouca movimentação de câmera e os atores realizam coreografias as quais com certeza exigiram imenso ensaio e preparação. Pode-se comentar que ao ter tanto foco na linguagem corporal, o filme acaba por abraçar a teatralidade, mas a riqueza dos enquadramentos, a variedade de ambientações e a vivacidade com a qual os personagens interagem com seu mundo descarta completamente este argumento.

As performances, por sua vez, além de realizarem lindamente as coreografias em cena, apresentam harmonia entre aquelas as quais investem firmemente na fisicalidade (Ito é o grande destaque neste sentido) e outras com foco na expressividade facial e na recepção do absurdo (a famosa escada, executada com perfeição por Martiz).



Há no roteiro, além de uma gradação de riscos, uma consequente resposta do surreal, de maneira que os personagens vão aproveitar cada situação para agir de forma inusitada. A imprevisibilidade ao longo dos 98 minutos mostra-se um deleite até mesmo nos momentos de sensibilidade e calmaria.

Fazendo-se sensível e hilário, frenético e deliberado, moderno e arcaico, A Estrela Cadente é um claro exemplo de como é possível aproveitar conceitos considerados rotineiros sem deixar de lado o cuidado com roteiro e belíssimo preenchimento de enquadramentos. Uma prazerosa, melancólica e até alegórica narrativa com uma seleção de talentos os quais não devem ser ignorados. 

A Estrela Cadente – Trailer


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