Diretamente do Anime Friends, no Rio, participamos da coletiva com Eduardo Miranda, chefe da divisão de cinema da Rede Manchete, de 1993 a 1999, e responsável por colocar no ar os Cavaleiros do Zodíaco!
Pensa em uma pessoa bem-humorada e que é apaixonada pelo que faz. Pensou? Este é Eduardo Miranda. Em um bate-papo super legal e descontraído, ele nos deu detalhes sobre sua passagem como chefe da divisão de cinema da Rede Manchete, nos contou bastidores e curiosidades sobre a era de ouro dos animes no Brasil.
Eduardo Miranda possui um canal no YouTube muito legal, o Projeto Cinevisão (acesse AQUI), onde fala sobre filmes e séries. Abaixo ele nos conta mais detalhes sobre o projeto, inclusive de onde surgiu a ideia. Confira!
Durante o tempo na rede Manchete, quais momentos marcaram mais sua vida profissional? Como era a relação dos fãs de dublagem naquela época?
O trabalho realizado na rede manchete era um trabalho como outro qualquer. A divisão de cinema não mexia só com desenho animado, ela mexia com filmes, séries, minisséries, séries ao vivo, desenhos animados da Hanna-Barbera e de outras distribuidoras e companhias.
Porém, quando Cavaleiros do Zodíaco se tornou uma realidade, para mim era sempre muito emocionante o contato com o fã. Lembre-se, a gente está falando aqui dos anos 90 e nos anos 90 não havia a comunicação que nós temos hoje em dia. Então, quando ele (o fã) conseguia chegar até nós para falar, era sempre algo muito emocionante, porque você via o nascer, o alvorecer de alguma coisa diferente.
Porque a gente tem que lembrar que anime e tokusatsus já existiam desde a época do Nacional Kid, Super Dínamo, Phantomas, Ultraman, Ultra Seven, Speed Racer…mas não havia um pensamento unificado. Então ver esse nascedouro, isso pra mim foi muito emocionante realmente.
Quanto a relação dos fãs com a dublagem, eu vim notar isso em Yu Yu Hakusho, porque até então era uma relação muito fria. Claro, a partir de Cavaleiros do Zodíaco, os dubladores passaram a ser celebridades, todos querem ver quem é a voz atrás daquela pessoa, mas eu considero Yu Yu Hakusho um divisor de águas disso tudo.
Ele mostra que um anime pode falar sua língua mesmo sendo de um outro hemisfério e, mesmo sendo de uma realidade oriental, ele pode falar a sua língua. Então isso pra mim também foi um momento marcante.
Você assiste Cavaleiros do Zodíaco? Qual seu personagem favorito?
Cavaleiros do Zodíaco pra mim sempre terá um toque muito especial. Porque ele é o que inicia todo o processo, é ele que consolida a ideia de que a Manchete era o reduto da cultura pop nipônica com os tokusatsus, que ela já exibia nos anos 80 (Jaspion, Jiban, Jiraya, Changeman, Flashman), onde eu não estou na casa. Cavaleiros do Zodíaco, aí sim na minha gestão, vem para consolidar isso. Então pra mim sempre vai ter um sabor muito especial.
Quando eu posso assisto e tento apresentar para minha filha. O cavaleiro que eu mais gosto é o Seiya, sempre vai ser o Seiya. Porque ele é convergência da força. Ele é aquele cara que quando todo mundo pensa em desistir, ele não desiste, ele tem uma saída, ele tem uma forma de tentar dizer, “eu não vou morrer agora, eu vou chegar até o objetivo”, e isso fica uma lição muito boa pra todo mundo.
Como surgiu a ideia para o projeto Cinevisão? Você tem algum outro projeto pro futuro?
O projeto Cinevisão é uma ideia que nasceu na TV Manchete. Seria um programa para substituir o Cinemania e ele iria ao ar aos sábados às 20h, isso em 1998. Mas infelizmente a emissora quebra de maneira poderosa.
No vídeo de apresentação do meu canal, o Projeto Cinevisão, que aliás convido todos a fazerem parte (Acesse AQUI), tem o piloto desse programa que ia ser na Manchete. É uma coisa muito rara aquilo, porque são imagens da Manchete que nunca foram divulgadas. É um piloto de um programa de cinema, falando de cinema em geral.
Eu sou crítico de cinema desde a época da Manchete, com o quadro making off no Programa de Domingo, e quando o YouTube apareceu e a mídia social ficou bem forte eu pensei “por que não trazer essa ideia do Cinevisão para dentro do ambiente do YouTube e de uma forma simplificada?”.
E foi o que aconteceu, em 2016 eu abri o Projeto Cinevisão e lá a gente fala de cinema, lançamentos da televisão, memória da TV, onde falo de coisas da época da TV Manchete, por exemplo, já falei sobre Sailor Moon, U.S. Mangá entre outras coisas.
Sobre os projetos novos, eu penso em tornar o canal um pouco mais voltado para a cultura otaku, mostrando os lançamentos de lá do Japão, o que está acontecendo no streaming e fazendo análises.
Claro que voltar para esse mercado é muito difícil, a gente sabe que o mercado só absorve pessoas muito novas. Não que as pessoas novas não tenham conhecimento, mas é uma questão de tarimba*, é você olhar algo muito bom e pensar assim, isso pode não dar certo, isso pode dar certo. O streaming até tem esse compromisso, mas nem tanto.
Então acho bem difícil voltar. Mas claro, eu posso trabalhar de consultor para alguns. É um trabalho que desenvolvo também, muito por debaixo dos panos, alguns me perguntam qual é a tendência, qual que está passando, como funciona determinado.
Eu só sei que hoje em dia, se eu tivesse que programar alguma coisa para a TV aberta, seria muito difícil, porque não há uma coisa claramente que possa passar pela classificação indicativa sem ser abrasivo. Eu não acho que o novo produto japonês tenha se preocupado muito com isso, acaba tendo os produtores de outros países fazendo alterações no produto.
Os clássicos não, eles são fáceis da gente trabalhar. Mas, de repente, o clássico já está muito na mão do fã, e infelizmente o fã não consegue gerar a atenção que a audiência necessária para que um patrocinador se interesse ou um streaming queira continuar, infelizmente. Trabalhar nichado no meio de comunicação é quase impossível.
*Tarimba: experiência em determinado assunto
E aí, qual é o melhor Pantanal? O da Manchete ou o da Globo?
Claro que é o da Manchete, pô! (risos) Pelo amor de Deus. O da Globo é tecnicamente perfeito, tem uma estética e uma fotografia linda, mas o espírito, a alma e a lama na bota está na Manchete, não tem jeito.
Você pode citar 5 dubladores que você mais gostou de trabalhar durante todo esse período?
Na verdade, eu nunca trabalhei direto com dublador, os contratos já traziam o produto dublado pra mim. O que acontecia é que tinha que verificar se essa dublagem era válida tecnicamente, se estava legal, se não tinha palavrão ou se estava com ruídos.
Mas, claro, com o tempo você vai conhecendo as pessoas. Eu tenho pessoas muito queridas, como o Marco Ribeiro, Christiano Torreão, Miriam Ficher, Guilherme Briggs, gosto muito dele, e o Wendell Bezerra, que é um super dublador. Você só me perguntou cinco (risos), mas na verdade eu adoro todos, até hoje eu tive um ótimo relacionamento com todos, pelo menos com aqueles com quem eu consegui falar.
Essa paixão por animes vem de quando?
Eu nunca fui otaku, nunca me interessei por isso diretamente. Eu amava Speed Racer, adorava Ultra Seven, curtia Nacional Kid quando criança, gostava do Phantomas, mas nunca era uma coisa ligada a uma cultura, assim como os otakus, que sempre se reuniam em clubes ou playgrounds, eu nunca fui assim.
Minha relação com anime começa justamente com Cavaleiros do Zodíaco, onde primeiro eu digo não a ele. A promo que me apresentaram era tão violenta e eu tinha acabado de adquirir um pacote da Hanna Barbera, com Corrida Maluca, Tutubarão e Space Ghost. Enquanto a prévia de cavaleiros só tinha sangue, porrada e nenhum diálogo.
Aí eu falei não, isso não dá. Só depois me enviaram os episódios completos e eu fui entender a dinâmica de Cavaleiros e, mesmo tendo a orelha de cassius cortada logo no primeiro episódio, eu notei que aquilo ali dava pra dar uma amenizada.
Teve algum anime no qual você apostou as suas fichas achando que seria um sucesso e foi um fiasco?
Sailor Moon foi terrível. Na época eu estava em um momento muito bom e quando coloquei Sailor Moon no ar eu estava muito confiante, porque era uma produto muito forte, só que me trouxeram apenas a primeira temporada, que era muito feminina e infantil.
Enquanto isso, o SBT estava passando Guerreiras Rayearth, que já sentava o cacete na ação. Eu fiquei desesperado dizendo “meu Deus, reage Sailor, reage!” E mesmo quando eu colocava ela no meio de dois produtos muito bons, ela não reagia. Então com pouco tempo no ar eu acabei tirando Sailor Moon. Tenho muita pena, porque adorava.
Ao final da Entrevista, Eduardo Miranda nos contou sobre alguns bastidores da Manchete.
E agora me fazendo uma última pergunta, “tem algum anime que você queria passar e que não passou?” Teve! Eu chorei de raiva, porque já estava tudo certo da gente passar Pokémon em 1998. O contrato já estava fechado e arredondado, eu já tinha dado meu parecer artístico e a parte comercial já estava ok.
Mas aí, vou pra casa feliz da vida e o Willian Bonner me fala no Jornal Nacional: “hoje, mais de 750 crianças tiveram um ataque epiléptico por conta de Pokémon”. Aí o telefone já apitou, “ó, 7h30m tem reunião, corre!”. Fui pra reunião e eles me disseram, “Eduardo, nós não vamos com Pokémon, já está sendo tudo cancelado. Você vai falar com a imprensa e garantir aos pais que isso não vai ser exibido na Manchete”.
Isso foi horrível, eu tenho essa matéria até hoje, foi horrível, é um trauma. No fim, acabou a Record comprando, se deu super bem e até hoje tem Pokémon GO. Inclusive eu jogo de raiva! (risos) Eu queria um Digimon Go, porque na Globo eu consegui o Digimon, mas isso é outra história.
Uma última coisa, eu fico muito honrado em estar aqui com vocês, agradeço muito. Essa função é muito invisível e tem tanta gente que trabalha nisso. Eu fui agraciado de estar no momento certo e no local exato para trazer algo que atravessou e ainda atravessa tantas eras. Nós temos Cavaleiros vindo no cinema e Yu Yu Hakusho vindo para a Netflix. Dois produtos da TV Manchete ainda vão ser festejados e eu fico “meu Deus, não acredito nisso”.
Eduardo Miranda assumiu a divisão de cinema da Rede Manchete e não se dedicava apenas aos desenhos animados, mas também às sessões de filmes, séries, minisséries e documentários. Ele foi contratado para reverter o quadro de baixa audiência da emissora.
Ao chegar, a Manchete já exibia os clássicos tokusatsus, no qual ele enxergava potencial para prosseguir na grade de programação. Eduardo Miranda foi o responsável por analisar todo material de audiovisual que vinha de fora, tanto nas questões técnicas quanto artísticas e é o principal responsável pela exibição de Cavaleiros do Zodíaco na TV aberta, entre outros tantos animes que marcaram nossas infâncias.
Agradecemos ao Eduardo, o pai dos animes no Brasil, por compartilhar conosco um pouco da sua história e a produção do Anime Friends por ter proporcionado este encontro!
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Publicitário e jornalista que é apaixonado por cultura pop, coleciona tudo que vê pela frente, adora uma piada ruim e ama a revisora desse site.