Divertida Mente 2 é repleto de questionamentos e cenas que personificam diferentes momentos das nossas vidas, desde os mais corriqueiros até os que nos marcam e afetam eternamente.
No primeiro filme, vimos uma Riley mais nova, ainda criança, aprendendo a lidar com suas emoções durante toda sua etapa de crescimento. Assim como ela, os sentimentos também estavam em constante aprendizado. Porém, o processo é mais longo e demorado para que, de fato, isso se concretize, para que eles consigam trabalhar uns com os outros e dar esse espaço para o trabalho acontecer.
A Tristeza, por exemplo, em recorrente negação, querendo ajudar, mas só atrapalhando. A própria Alegria a colocando de lado, tentando restringir seu acesso ao painel de controle com medo do que qualquer toque dela poderia causar, entre outras situações. Só no fim do filme é que os sentimentos percebem que precisam aprender a lidar uns com os outros e dar esse espaço no momento necessário. Já que, inevitavelmente, a alegria não poderia ser onipresente na mente da menina.
Diante disso, alguns anos se passam. Chegamos ao filme Divertida Mente 2 com uma premissa bem simples: mostrar a menina Riley entrando na puberdade, tornando-se, de fato, uma adolescente. Porém, a simplicidade acaba aí. Todo o desenrolar da trama e as mensagens contidas em apenas 1h35 de filme são bem complexos e inegavelmente bem trabalhados e desenvolvidos.
A estética da animação, as cores, a textura dos sentimentos, tudo está ainda mais bonito do que o primeiro filme. Foi um trabalho árduo e belíssimo de apreciar na telona. Além disso, cada personagem, seja humano ou personificação de sentimentos, foi ainda mais aperfeiçoado e aprofundado. Em diversas cenas, é possível notar o crescimento e a evolução tanto dos personagens em si, quanto de quem trabalhou por trás deles.
Mostrar como uma coisa simples pode desencadear uma avalanche de novos sentimentos na cabeça de uma criança/adolescente é o ponto inicial dessa sequência. Riley se vê diante de uma iminente separação de suas melhores amigas, além de uma necessidade de aprovação em relação às novas amigas, mais velhas e experientes. Algo que todo mundo deve ter passado nessa idade ou está passando, ainda que de forma similar.
Ter alguém mais velho que te inspira, te faz querer ser como ele, seja no modo de vestir, falar ou os gostos é bem comum. Tudo acaba se transformando um pouco com o dedo do outro. E Divertida Mente 2 nos mostra isso. Como essa necessidade de aprovação de Riley a transforma, somada à angústia da separação e ao misto de sentimentos que a própria puberdade já desperta. Sensibilidade, medo do que virá, apatia, falta de moderação, vergonha, inveja, querer ser alguém diferente, entre outros. Tudo isso faz com que a menina abra espaço para uma emoção ainda mais potente: a ansiedade.
Uma emoção que, por si só, não chega a ser algo ruim. Como a própria Alegria percebe assim que a Ansiedade chega, domina o controle por algum tempo e acaba concentrando a Riley em uma situação onde a Alegria, sozinha, estragaria, pois não era o sentimento necessário naquele momento. A gente entende como cada emoção trabalha, como cada uma precisa agir. Se sentir ansioso para algo que está por vir não necessariamente é uma coisa negativa.
O problema começa quando esse sentimento nos domina e tira qualquer outra emoção do controle. Divertida Mente 2 traz essa questão no desenrolar da trama: a Ansiedade dá um “golpe de estado” e começa a bagunçar completamente a cabeça da adolescente. Tirando seu sono, sua paz, a incitando a fazer algo que não é do seu feitio como mexer no que não é seu, mentir, fingir, etc. Numa tentativa frenética de mudar quem Riley é para quem ela precisa ser.
O fato de colocar essa questão em um filme voltado para o público infantil foi feito, como sempre, com todo tato por parte da Disney Pixar. As crianças conseguem se divertir, se entreter, pois a animação, além de belíssima, colorida e cheia de vida, possui momentos bem divertidos. Enquanto os adolescentes e adultos colhem as mensagens mais profundas e se permitem sentir o que o filme propõe. Nossos “divertidamentes’’ entram numa espécie de loucura momentânea com tanta referência, afeição e tiradas. Um misto de reflexão com diversão que a Pixar faz com excelência há anos.
Divertida Mente 2 é repleto de questionamentos e cenas que personificam diferentes momentos das nossas vidas, desde os mais corriqueiros até os que nos marcam e afetam eternamente. Como quando a Nojinho diz: “como fazer com que uma avalanche de pensamentos ruins não se torne uma convicção?”. O filme conduz o fio do pensamento e da lógica de Riley diante de algumas situações despertando na gente, do outro lado da tela, a ligação, a identificação com a menina e inúmeras sensações.
Ao longo da animação, podemos refletir, assim como o filósofo John Locke em seu Ensaio sobre o entendimento humano, se somos mesmo como um papel em branco ao nascimento (“O homem nasce como se fosse uma folha em branco”) sendo preenchido conforme nossas experiências, nossos dias, nossa rotina, nossa visão das coisas e do mundo. Somos colocados, literalmente, como espectadores de uma vida se desenvolvendo e absorvendo memórias, aprendizados e sentimentos. Assim, todo o conceito de formação de caráter vai se moldando diante dos nossos olhos de forma brilhante.
O gatilho despertado em Riley, sua crise em meio ao jogo decisivo, o conflito das emoções em sua mente, todos querendo impor de alguma forma suas convicções do que é o melhor para a menina, enquanto a transformam em um emaranhado de dor, angústia e pânico é algo que faz com que nos identifiquemos com essa eterna luta entre a Alegria e a Ansiedade, como se fosse o bem contra o mal, o certo e o errado, o ‘’quem eu sou’’ contra o ‘’quem eu tenho que ser’’.
A resolução da crise se dá com os sentimentos dando espaço para que Riley entenda que ela pode ser quem quiser ser, ainda que seja uma pessoa com defeitos, maus momentos e péssimas decisões, ainda é uma pessoa, um ser-humano e que está tudo bem não ser perfeito, ter dúvidas, sentir raiva, sentir medo, vergonha, tristeza, sentir… está tudo bem sentir! Toda essa cena nos passa a mensagem que tentar controlar tudo que sentimos, não nos permitir viver o momento só faz com que a ansiedade nos domine e tire todo nosso norte.
Somos seres em processo eterno de aprendizado e precisamos internalizar isso. Podemos aprender a controlar, a conviver, a dominar nossa mente, nossos pensamentos, nossos sentimentos e, quando isso não for possível, podemos pedir ajuda, apoio, seja de um profissional, da família, amigos e até de nós mesmos, assim como a Riley em seu momento de maior necessidade, com todos os seus “divertidamentes” se unindo pelo bem maior.
Divertida Mente 2 é um sucesso, não apenas de bilheteria, mas de recepção do público. É um forte concorrente ao Oscar de Melhor Animação, quiçá o mais forte, e mostra que, por uma sequência de excelência, vale a pena esperar cada segundo.
Divertida Mente 2 – Trailer
Apaixonada por arte, música, literatura e filosofia. Adora a Disney, Harry Potter e Sherlock, além de ser viciada em memes. Ri de tudo, é meio perdida nas ideias, viajante do tempo nas horas vagas, só anda com fones nos ouvidos e ama tudo que é fofinho, inclusive o editor-chefe desse site.